“BRANCA DE NEVE” – As indecisões de uma adaptação
Ao adaptar em live action as suas animações clássicas, a Disney constantemente se depara com um dilema: fazer um remake ou uma reestruturação? Geralmente, a dúvida não acarreta maiores problemas. “A pequena sereia” (2023), por exemplo, inovou na preocupação com a representatividade, mas privilegiou o romance de Ariel, em detrimento da vontade da protagonista de sair do mar. Com BRANCA DE NEVE, todavia, a adaptação se revelava muito mais espinhosa a priori.
Branca de Neve é uma jovem princesa que vive feliz em um reino governado com gentileza e bondade por seu pai. Entretanto, quando o Rei desaparece e a Rainha, sua madrasta, assume o comando, ela se torna uma serviçal enquanto a situação do povo se torna cada vez mais precária. Como se não bastasse, sua vida corre risco quando a Rainha descobre que a mais bela do reino é a princesa.

O filme é um musical e, nesse quesito, de maneira geral, é razoável. Com canções compostas por Benj Pasek e Justin Paul (dupla de “La la land – cantando estações”), a trilha musical é majoritariamente boa, com destaque para “Waiting on a wish”, que aproveita o talento vocal de Rachel Zegler no papel principal, e para “A hand meets a hand”, que se vale do igualmente talentoso Andrew Burnap. Como casal, os dois funcionam bem e o número romântico é esteticamente bem concebido. A famosa canção dos anões, “Heigh-ho”, recebe uma letra estendida e um agradável toque country. Porém, “All is fair” é um descalabro: ainda que o número em si não seja bem idealizado, a composição é muito ruim e o desempenho de Gal Gadot no canto é catastrófico. Não obstante, é conspícuo que o problema do filme não são as atuações, tampouco os números musicais.
Do ponto de vista gráfico, o longa de Marc Webb tem problemas severos, sobretudo por recair no vale da estranheza. Os filmes live action da Disney têm optado pelo fotorrealismo, como “O rei leão” (2019). No caso de “Branca de neve”, a computação gráfica é indecisa quanto ao grau de realidade que deseja transmitir, causando o estranhamento. O CGI dos animais os faz parecerem de pelúcia, uma artificialidade elevada pelo excesso de uso de chroma key nos cenários do bosque. Quanto aos anões – que não são qualificados como “anões” ou “pessoas com nanismo”, mas criaturas mágicas inominadas -, a estética é pavorosa, demonstrando que a escolha política não foi acertada.
De fato, trata-se de uma escolha política: se fossem contratadas pessoas com nanismo para os papéis, o filme correria o risco de ser apedrejado pelo retrato caricatural e preconceituoso. Logo, a opção mais segura foi não chamar os sete de anões e não usar atores reais (salvo pelas vozes). Nessa perspectiva, em alguns aspectos, a produção faz escolhas políticas conscientes que ora refletem esse receio do apedrejamento, ora verdadeiras convicções. Exemplo do segundo caso é o perfil traçado para a protagonista: ao contrário do que se vê em “Branca de Neve e os sete anões” (1937), ela não é mais uma moça frágil que precisa ser protegida e cuja principal tarefa é a limpeza doméstica (algo que, se repetido em tempos atuais, seria visto como um olhar machista e conservador). Pelo contrário, a nova Branca de Neve não aceita ser objeto de proteção e, quanto à limpeza, colabora e orienta o grupo em uma atividade que se torna lúdica para todos.
Isso não significa, contudo, que a versão de 2025 subverta o papel de Branca de Neve. Eis o maior problema: o diretor não decide se quer ser fiel ou se quer atualizar a obra de 1937. Em alguns aspectos, os longas são idênticos, como nos figurinos da protagonista (azul na parte de cima, amarelo na saia, laço avermelhado no cabelo) e da antagonista (a caracterização da Rainha é boa, mas seu envelhecimento poderia ter uma maquiagem melhor), na cena da fuga pelo bosque (com planos realmente repetidos) e na estrutura geral do roteiro elaborado por Erin Cressida Wilson (a partir do célebre conto dos Irmãos Grimm, Jacob e Wilhelm). Há novidades boas – o desenvolvimento da dificuldade de fala de Dunga e a personalidade do príncipe, que é mais um Robin Hood que um príncipe -, mas não são centrais.
Apesar do bom trabalho de Zegler, falta à sua Branca de Neve a magia que a torna encantadora. Sua relação com os animais, por exemplo, é fria, com breves interações e comunicação não verbal. Como se não bastasse, sua inocência parece estupidez e contradiz a bravura que o longa pretende ressaltar. Se, de um lado, ela assume postura ativa (como ao querer ir atrás do pai), de outro, o modo como ela faz isso é patético e ironizado pelas próprias personagens. Não apenas a Rainha debocha do intento de resolver problemas com sobremesas, mas Jonathan também o faz ao afirmar, na canção “Princess problems”, que a princesa “finalmente está aprendendo que a vida não é justa” e que ela “não pode consertar o mundo com tortas de maçã”. Mirando em algo real e atual, o filme perde a sua magia e não convence em seu escopo, já que a solução do desfecho é ridícula. Tudo isso como resultado de uma indecisão.


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.