“BORAT 2: FITA DE CINEMA SEGUINTE” – Da originalidade à oportunidade
* Clique aqui para ler a nossa crítica do primeiro filme, de 2006.
É um pouco desafiador escrever sobre BORAT 2: FITA DE CINEMA SEGUINTE, pois muito do que é visto faz parte do humor, que pode ser reduzido em razão do conhecimento prévio. Assim, serão evitados spoilers e a análise do filme será genérica, na medida do possível. Quanto às polêmicas… se o filme é polêmico, uma crítica sobre ele não pode deixar de o ser.
Partindo de tal premissa, o filme não se inicia logo após o anterior, mas Borat, em voice over, explica o que houve desde que lançou seu documentário, mostrando que foi condenado a trabalhos forçados em prisão perpétua. Tudo muda quando o premiê do Cazaquistão o convida a se redimir, entregando um suborno para um representante do governo dos EUA, para beneficiar seu país.
Tanto quanto o anterior, “Borat 2” é um filme sobre valores. O ponto de partida do plot traz essa ideia, pois a intenção da nova viagem do protagonista para os EUA é subornar o presidente dos EUA, Donald Trump, ou seu vice, Mike Pence, para dar privilégios ao Cazaquistão – país que deixou de ser uma “nação gloriosa” para se tornar uma “nação depreciada”. Trata-se, pois, de uma trama de redenção, que inclui até mesmo um subtexto dramático familiar envolvendo o jornalista.
Evidentemente, tudo serve como pretexto para a comédia, que está afiada como no filme precedente. Havia, porém, dois problemas que o longa precisava enfrentar: a fama de Borat nos EUA e a desculpa do documentário. No primeiro caso, se ele saísse nas ruas, seria reconhecido e tudo daria errado, já que o anonimato garantia o truque do primeiro filme (enganando as pessoas filmadas). Assim, existem menos cenas enganando pessoas como se a filmagem fosse para algo sério e real. Além disso, a fama é driblada de uma maneira bastante simples.
Entretanto, a desculpa do documentário não aparece e deixa dúvidas sobre até que ponto teria havido surpresa ou encenação. Há flashes de mockumentary, cujo estilo não é tão presente quanto no filme de 2006. Por exemplo, no primeiro filme, quando ele fica na casa dos judeus, supostamente eles não sabiam que tudo fazia parte de um filme de comédia, que ele era um ator fingindo gravar um documentário (daí a ideia de mockumentary). Sacha Baron Cohen era o único ator profissional e, com o brilhantismo da sua obra, catapultou a sua carreira. Agora, ele está acompanhado de Maria Bakalova em diversas cenas (ou seja, não é o único ator em cena), porém o filme não explica qual a desculpa para a filmagem das pessoas (não artistas) que participaram (salvo aquela sequência com aquela pessoa famosa). Se não estão filmando um documentário, por que estariam filmando? A linguagem documental permanece, contudo não integralmente. O outro pilar da proposta, que é a estrutura em esquetes, é repetida intensamente.
Um grande acerto da obra se refere ao aproveitamento do timing, não apenas pela data de seu lançamento em streaming (às vésperas da eleição presidencial estadunidense, que pode reeleger Donald Trump), mas também pela pandemia de coronavírus e pelas teorias conspiracionistas (como QAnon). Novamente a questão dos valores se torna fundamental: com doses cavalares de ironia, os republicanos são exaltados (assim como seus aliados internacionais); os democratas, demonizados. No intervalo de catorze anos, houve muitas mudanças, em especial pela tecnologia, o que também vira piada. Os preconceitos de Borat, como o machismo e o antissemitismo, se associam à voraz crítica política, que vai do alto escalão do governo a pessoas comuns (como os dois “cientistas”).
Sagaz e subversivo, “Borat 2” é uma produção que quer dizer algo para dizer outra coisa, geralmente seu oposto. Em 2006, o trunfo era a originalidade, sobretudo por colocar pessoas comuns em situações constrangedoras (que renderam inúmeros processos a Baron Cohen), o que ocorre novamente na obra de 2020, porém em menor medida. Na sequência, perde-se a originalidade, mas ganha-se em oportunidade: o filme é absolutamente oportuno para uma época de políticos populistas reacionários (para não dizer racistas, machistas, misóginos, homofóbicos, anticientificistas etc.), ou melhor, uma época em que o pensamento reacionário saiu do esgoto e encontrou espaço na rede mundial. Ridicularizar pessoas que realmente acreditam que Hillary Clinton bebe sangue de crianças é muito oportuno em 2020. Isso não é conservadorismo, não é direita; é extremismo, é reacionarismo.
O problema é que fazer chacota com pessoas que pensam dessa forma provavelmente não fará com que elas se enxerguem como motivo de chacota. Mas não deixa de ser engraçado para quem não se encontra nesse extremo. Abrir os olhos de ao menos um espectador já poderá ser considerado lucro.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.