“BOM TRABALHO” – Corpos sob conflitos silenciosos
* Filme assistido na plataforma da FILMICCA.
Alguns filmes conseguem se desenvolver muito bem sem depender de muitos diálogos ou de uma trama convencional trabalhada pelo roteiro. A força simbólica das imagens, a dinâmica relacional dos atores e os subtextos da encenação cumprem esse papel. BOM TRABALHO é um exemplo de como há outros elementos expressivos para contar histórias e, acima de tudo, transmitir sensações. Nesse sentido, o trabalho de Claire Dennis se volta para um fluxo fragmentado de eventos, sentimentos e corpos, preocupando-se com os silêncios e as lacunas que recobrem certa ideia de masculinidade.

Os personagens masculinos principais fazem parte da Legião Estrangeira da França, formada por homens de diferentes etnias e personalidades. Eles passam por um rigoroso treinamento na África, liderado pelo sargento Galoup e pelo comandante Bruno. Quando o novo recruta Sentain chega, as relações na tropa se modificam. Galoup começa a nutrir ciúmes pelo recém-chegado e toma atitudes extremas que afetam todos os militares.
Na abordagem escolhida pela diretora Claire Dennis, a câmera assume um caráter observacional para retratar o que acontece com a Legião. Os treinamentos no deserto, o tempo livre dos militares no acampamento e a diversão na capital de Djibouti se sucedem ao longo da narrativa. Em todos eles, os espectadores são convidados a observar a dinâmica entre os homens e criar suas próprias impressões a respeito daquelas relações e da realidade onde se encontram. Isso porque a realizadora não está interessada em definir uma série de acontecimentos claros para indicar quem são os personagens e os conflitos no qual irão se envolver. O interesse maior reside na contextualização dos espaços por onde transitam, convivendo com habitantes locais, mas também fazendo parte de um universo próprio que impõe determinadas regras e formas de conduta e reprime outros comportamentos ou modos de estar no mundo.
Claire Dennis é uma cineasta que trabalha a encenação de seus filmes em sintonia com a dimensão dos corpos de seus personagens. Grande parte de seus projetos são guiados por um estilo livre da câmera que compõe os quadros e os planos através da espontaneidade do movimento dos corpos. É o caso, por exemplo, de “Desejo e obsessão“, filme de terror que deslocaliza o público em muitas cenas e faz com que a decupagem esteja atrelada às ações intensas dos personagens. Em “Bom trabalho“, o mesmo princípio segue outro caminho: a tensão entre mostrar corpos masculinos e abordar a rigidez do serviço militar. O cinema hegemônico se pautou por um olhar masculino que representou a nudez feminina como fonte de prazer, enquanto outras visões alternativas questionaram os modelos impostos. Claire Dennis retrata com frequência as costas largas, o peitoral definido, os músculos e as pernas expostos. Ao mesmo tempo, a sensualidade dos corpos enfrenta a disciplina das Forças Armadas, baseada em uma masculinidade marcada pelo poder, pela violência e pela heteronormatividade que são filmados nas sequências de treinamento.
A decupagem segue a ideia de que a câmera pode passear pelas curvas dos corpos masculinos sem se preocupar com as implicações de deixá-los em destaque. Na verdade, a apresentação dos soldados em função de seus atributos físicos cria um contraste muito rico para a narrativa. Por um lado, pode-se pensar que o desenvolvimento corporal cumpre funções bélicas, como o aprimoramento da força física e da resistência. Tudo isso faria parte, então, de forma lógica de um tipo de masculinidade agressiva que se afirma sem a necessidade de sentimentos. No entanto, a diretora vai além e propõe construções avessas a essa imagem anterior. Por outro lado, não se pode encontrar certa tensão sexual em corpos masculinos em contato tão próximo? Ou, no mínimo, refletir sobre a necessidade de buscar vínculos emocionais mais profundos com companheiros e amigos? É interessante, portanto, observar como os soldados se ajudam partilhando o toque e a proximidade de pele com pele, por exemplo quando cuidam do ferimento de um deles em uma praia. E um efeito similar ocorre quando um treinamento de confronto físico se torna um abraço entre eles, o que pode demonstrar uma troca de carinho homoafetivo.
Qualquer carga de sexualidade reprimida fica mais latente quando se percebe o arco dramático do sargento Galoup, vivido por Denis Lavant. A narrativa se apoia também na narração do personagem, sendo ela voltada para contar alguns acontecimentos da Legião ou alguns sentimentos do militar. Porém, em geral, o recurso não traz respostas definitivas nem organiza a trama dentro de uma lógica tradicional de causa e consequência ou de enredo claro. O próprio Galoup parece narrar o que vivencia para tentar dar sentido ao que sente, embora não tenha sucesso. Por que tanta admiração pelo comandante Bruno, interpretado por Michel Subor? A referência atribuída ao superior se deve a questões profissionais, a projeções de um futuro almejado ou a razões desconhecidas até por ele? E, acima de tudo, por que entra em atrito com Sentain, vivido por Grégoire Colin? Seria inveja pela popularidade do novato? Seria um risco de quebra de hierarquia pela influência do jovem sobre o restante da Legião? Ou seria até motivado pelo desejo homossexual reprimido por preconceitos da instituição ou do próprio homem?
“Bom trabalho” não responde a nenhuma das questões suscitadas. As lacunas e os silêncios preenchem o desenvolvimento da narrativa, os arcos dos personagens e a dinâmica dramática dentro da Legião. Pode ser uma escolha estilística ou uma tradução cênica para a repressão que atinge os legionários em muitos aspectos. As identidades individuais e étnicas são sufocadas, pois ao pertencerem à tropa não são mais homens com suas particularidades nem cidadãos africanos. Eles se tornam apenas militares a serviço de suas obrigações profissionais que precisam se adequar aos valores de hierarquia e disciplina e a uma concepção correspondente de masculinidade. Como representação das interdições, a sequência em que Galoup e Sentain podem brigar não concretiza a luta em si nem a reviravolta para a satisfação de um prazer reprimido, já que os corpos não se tocam e a troca sugestiva de olhares permanece na insinuação. Por isso, Claire Dennis utiliza a linguagem para tentar retirar aqueles personagens de um estado de opressão. Nada mais expressivo que encerrar o filme dando ao protagonista um momento mais livre de dança sob um ambiente estilizado com a música e as cores.
