“BLACK MIRROR” [5ª TEMPORADA] – Aparências
BLACK MIRROR se tornou uma série celebrada e adorada por uma galeria de fãs, que chegaram a cunhar a frase “Isso é muito Black mirror” para se referir a situações e acontecimentos bizarros. Tudo isso graças ao impacto que alguns episódios tiveram desde a sua estreia em 2011 ao propor reflexões mirabolantes e profundas sobre o mau uso que a humanidade pode fazer da tecnologia. A fama em torno da produção conseguiu, inclusive, ocultar sua irregularidade como um todo, como é possível notar na medíocre quinta temporada.
O termo medíocre usado aqui não significa ruim ou sofrível, mas sua acepção original: mediano e insuficiente. Essa nova temporada é composta por três episódios,, de pouco mais de uma hora cada um que não investem em tecnologias ou mundos futuristas imaginados pelo showrunner Charlie Brooker. Os artefatos tecnológicos e as tramas possuem um pé muito fincado na realidade atual, retratando dilemas que já se pode encontrar em cada esquina do planeta e conflitos que dizem muito mais sobre a natureza humana do que sobre as criações em si. Porém, as três histórias da antologia da vez deixam a sensação de déjà vu, de retorno a narrativas, momentos e discussões já vistos anteriormente.
No primeiro episódio (“Striking Vipers”), os amigos Danny e Karl sofrem uma reviravolta em suas vidas quando começam a jogar um videogame de luta de realidade imersiva que transporta suas consciências para os lutadores virtuais. No segundo episódio (“Smithereens”), Christopher, um motorista de Uber, sequestra o funcionário de uma empresa semelhante ao Facebook, responsável por desenvolver um aplicativo que tornou seus usuários viciados nele. No terceiro episódio (“Rachel, Jack and Ashley Too”), a famosa cantora pop Ashley enfrenta problemas em sua carreira, enquanto a adolescente Rachel encontra sentido para sua vida sem amigos, após a morte da mãe, comprando a boneca Ashley Too, que simula a personalidade da cantora.
Em termos temáticos, a quinta temporada desenvolve uma questão primordial a partir de diferentes abordagens: a busca por novas aparências, moldadas por imagens artificiais através da tecnologia, de pessoas que não se satisfazem com sua realidade concreta e cotidiana. Os protagonistas tentam, de maneiras variadas, fugir de suas vidas e encontrar refúgio em uma dimensão que possam manipular, controlar e transformar. Danny, por exemplo, tem problemas de aceitar seu envelhecimento e dores da meia idade, sentindo prazer somente quando se imagina no corpo musculoso de um lutador; Christopher se isola do mundo virtual, onde até então passava boa parte de seus dias assim como a sociedade em geral, para se proteger dos traumas de uma tragédia; Ashley utiliza as apresentações musicais para vender a imagem bem-sucedida de quem, na verdade, está depressiva, e Rachel só reconhece como amiga uma boneca eletrônica que simula o comportamento da cantora.
Em geral, o valor da série está em partir de tramas incomuns para propor reflexões sobre traços da natureza humana afetados pela grave dependência atual da tecnologia. Os três novos episódios, entretanto, além de emular discussões já vistas em outras temporadas (o primeiro, por exemplo, se assemelha a “USS Callister“), também parecem rascunhos mal desenvolvidos de ideias ainda carentes de maior aprofundamento. “Smithereens” e “Rachel, Jack and Ashley Too” se desenvolvem de modo previsível, tendo seus conflitos e reviravoltas antecipados sem que o público seja impactado por algo inesperado e chocante e seus temas apresentados com eficiência, mas elaborados com grande superficialidade. O único que suscita boas questões capazes de extrapolar a narrativa do episódio é “Striking Vipers“, que estimula questionamentos mais amplos sobre o significado da traição, as pressões sociais em torno da sexualidade e o prazer maior em uma realidade virtual do que no cotidiano comum.
Já em termos estéticos, a produção decepciona com narrativas pouco trabalhadas visualmente. O terceiro episódio é filmado de forma muito convencional e desinteressante através da sucessão de planos e da construção da mise en scène com uma simplicidade paupérrima. Os outros dois episódios possuem algum valor de produção maior, destacando-se a criação de imagens esteticamente semelhantes aos jogos de videogame em “Striking Vipers” (especialmente, os efeitos dos golpes nas lutas e os letreiros indicando os resultados) e a indicação da condição psicológica do protagonista pela edição de som de intensos ruídos de celulares e pelos planos em que ele está oprimido na lateral do quadro em “Smithereens“. Além disso, no segundo episódio a montagem não se resume apenas a criar suspense com seu desfecho, pois também sugere a violência do mal uso da tecnologia através do paralelismo entre a tecla enter apertada em um teclado de computador e o gatilho de uma arma puxado.
Dois anos após o lançamento da quarta temporada, a nova leva de episódios de “Black mirror” é lançada pela Netflix trazendo como ideia principal as aparências na sociedade. As aparências que os indivíduos buscam para fugir de uma realidade adversa, as aparências de uma vida feliz que o mundo virtual oferece, as aparências que a sociedade estimula que sejam produzidas, as consequências da criação de identidades enganosas etc.. Mas, acima de tudo, a aparência de que a série ainda preserva a qualidade de seus primeiros anos ao invés de ter se tornado um clichê de si mesmo.
Um resultado de todos os filmes que já viu.