“BACK TO BLACK” – Da diretora de ‘Cinquenta tons’, apenas um tom
Para quem procura histórias com heróis e vilões, existem os Vingadores. Cinebiografias deveriam ser histórias ricas nas quais as personagens têm várias camadas de complexidade, influenciando a protagonista de diversas maneiras (e sendo por ela influenciada). Não é o que vem ocorrendo com a maioria das últimas biopics de cantoras(es) famosas(os), que preferem não melindrar ninguém que se envolveu nos fatos retratados. Exceção feita à “Rocketman”, a regra é o que se vê em “Bohemian rhapsody”, “I wanna dance with somebody – a história de Whitney Houston” e BACK TO BLACK: lindas canções em um marasmo de superficialidade.
O longa conta a vida da cantora, compositora e multi-instrumentista britânica Amy Winehouse, desde as primeiras apresentações até o auge, pouco antes do seu falecimento, quando gravou um dos álbuns mais vendidos e premiados dos últimos anos. Sua trajetória na música fui curta, mas de muito sucesso e deixando um enorme legado.
O primeiro – mas não o maior – problema de “Back to black” é que há uma desproporção entre o sucesso e o legado de Amy, de um lado, e o que é efetivamente exibido na produção, de outro. Ela é elogiada por familiares, episodicamente aparece dando entrevistas, mas seu sucesso estrondoso é estranhamente negligenciado pela diretora Sam Taylor-Johnson. A cineasta tem limitações evidentes em termos de linguagem cinematográfica (e esse é um segundo problema, também menor): sobram cenas cafonas (duas vezes em que a protagonista caminha sozinha em um beco escuro para transmitir um momento depressivo), falta inventividade (o uso reiterado de zoom in para transmitir introspecção). Não são propriamente erros, mas revelam uma direção demasiado básica.
Existe ainda um terceiro problema – que tampouco é o maior -, relativo ao design de som. Se é verdade que clássicos como “All of me”, “Body and soul” e “Mad about the boy” (nas incomparáveis vozes de, respectivamente, Billie Holiday, Tony Bennett e Dinah Washington), dentre outros, são um deleite auditivo, não é menos verdade que sua utilização no filme é pobre. Das duas, uma: ou a letra das canções refletem um momento narrativo de maneira literal, hipótese que revela preguiça na elaboração da trilha (mais fácil usar clássicos literais do que elaborar composições novas mais simbólicas), ou simplesmente são escolhidas de maneira aleatória porque são belas, caso igualmente insatisfatório. Ainda no design de som, é possível perceber erros técnicos graves na mixagem, sobretudo quando as músicas são sobrepostas de modo nada harmônico pelos ruídos intradiegéticos, causando uma desarmonia desagradável (cenas com os paparazzi, a cena do cabelo…).
Outro equívoco gravíssimo está na péssima ideia de mesclar, na mesma canção, a voz da intérprete de Amy, Marisa Abela, com a da própria cantora. Ainda que o recurso seja usado pouco, é possível perceber a transição, isto é, que na mesma música há duas vozes fingindo ser uma só. Isso não apenas ofende o espectador, pois tenta enganá-lo, como descredibiliza a própria artista, que faz bem o seu trabalho. Certamente a singeleza do roteiro de Matt Greenhalgh não colabora para explorar o máximo da atriz, mas não é dela a responsabilidade pelo resultado pífio da obra. Talvez seja ela o que há de melhor, sobretudo na caracterização visual, que, ao contrário da narrativa, consegue traduzir uma evolução na protagonista até que a promissora Amy se transforme no sucesso Amy Winehouse.
O grande problema de “Back to black”, porém, é o mesmo das cinebiografias (ruins) de Freddie Mercury e Whitney Houston: uma preocupação em não aprofundar temas espinhosos. Deveras branda, a abordagem de Taylor-Johnson se esquiva das controvérsias relativas às pessoas que cercaram Amy, notadamente o pai e o marido. Mitch (Eddie Marsan) é um pai carinhoso que erra, no máximo, ao mimar a filha, cedendo aos seus desejos; Blake (Jack O’Connell) é responsável não pelos momentos em que a cantora se aprofunda na drogadição, mas pelas cenas mais ternas e românticas possíveis (na sinuca, no zoológico, no hotel). Causa espanto que Blake compartilhe com Amy mais cenas de romance do que de atrito, e que a maior briga entre eles seja resultado de erros imputados a ela.
É positivo que o filme não vitimize a cantora, mas ele certamente simplifica em demasia uma vida complexa. Mesmo quando as polêmicas aparecem, prevalece a brandura: surgem como menções pontuais (a cena do vômito, a cena no palco), ocasionalmente verbais, ofendendo o princípio show, don’t tell (a referência ao dente). Fatos como bulimia, depressão e autoflagelo, são praticamente negligenciados. Há saltos inexplicáveis (as drogas chegam em sua vida por “geração espontânea”, jamais mediante uma explicação causal); a montagem é pavorosa, não conseguindo articular uma progressão narrativa simples (e simplificada com lacunas ou inverossimilhanças).
É impressionante a habilidade com que a diretora consegue colocar a protagonista em uma espiral de dificuldades sem lhes dar uma origem. Não seria necessária uma justificação lógica, mas sim um nexo mínimo de causação. Em “Back to black”, parece que Amy tinha uma vida boa e um potencial desperdiçado por capricho. Da maneira mais simplista possível, Taylor-Johnson oculta as polêmicas com o constante assédio midiático sofrido pela heroína, que tentou enfrentar os vilões e eventualmente sucumbiu a eles (e, principalmente, a si mesma). O pai e o marido? São inocentes, eis a prova. O que não causa espanto é que o filme seja dirigido pela mesma responsável por “Cinquenta tons de cinza”. Para Amy Winehouse, ela conseguiu retratar apenas um tom: o da vítima de si e dos paparazzi.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.