“BABYGIRL” – Mais poder, menos sexo; mais Kidman, menos inventividade
É possível considerar BABYGIRL um thriller erótico, porém a sua classificação mais adequada seria a de um drama psicológico. Embora certamente tenha características de thriller, como o fato de deixar o espectador tenso em alguns momentos, o que prevalece é o turbilhão de sentimentos que corroem a protagonista por dentro. Seu erotismo, ainda, é substancialmente contido, de modo que o filme se volta mais ao interno – o psicológico – do que ao externo. Da mesma forma, o que lhe é central não é o sexo, mas as relações de poder, que podem ou não com ele se conectar.
Romy Mathis é a experiente CEO de uma grande empresa de automação, além de esposa e mãe de duas filhas. Sua estrutura familiar e sua carreira passam a correr risco, todavia, quando ela inicia um caso com Samuel, seu jovem estagiário.
A premissa do roteiro de Halina Reijn (que também dirige o longa), qual seja, a relação entre um rapaz jovem e uma mulher mais madura, não é nova, podendo-se citar outros filmes melhores, como, por exemplo, “Ensina-me a viver” (mescla entre humor ácido e drama), “O leitor” (de teor histórico e reflexivo), “Rainha de copas” (adentra em questões morais mais profundas) e “Boa sorte, Leo Grande” (aborda temas complexos como etarismo e baixa autoestima). A obra de Reijin se aproxima de “A professora de piano” (que é muito melhor), pois há um articulação entre dinâmicas de poder, relacionamento sexual e a diferença de idade.
Uma primeira concepção de sexo abordada aqui é de viés romântico, que Romy tem junto ao marido, Jacob, um homem gentil com claros feios morais na cama e que não percebe as falhas no casamento (sequer ao mencionar o longo período em que ela não o visitava no trabalho). Antonio Banderas cria nele uma figura doce e delicada, muito distinta de Samuel, não apenas pela idade, mas porque, primeiro, o rapaz é enigmático (e, por isso, imprevisível), e, segundo, não pretende construir um romance com Romy. Harris Dickinson evita o overacting no papel, fazendo de Samuel um jovem sério e constantemente provocativo, sabendo transmitir o papel sexual da personagem antes mesmo das interações de maior intimidade (como no sorriso irônico ao oferecer um biscoito).
Entretanto, quem realmente reluz é Nicole Kidman, que tem no papel principal uma personagem multifacetada. No lar, ela é a mãe carinhosa e esposa afetuosa que prepara o café da manhã (usando um avental para não sujar as elegantes roupas, é claro); na cama junto ao marido, é a esposa que satisfaz mesmo sem ser satisfeita; no trabalho, é a CEO de sucesso que serve de exemplo para muitas outras mulheres. Romy não é frágil, mas sente a necessidade de se colocar em posição vulnerável, o que pode explicar a busca por meios alternativos de prazer, desconhecidos de Jacob (inclusive antes de conhecer Samuel). Ela é uma representação de poder que encontra em Samuel uma segunda concepção de sexo, que é a que desejava: a de submissão. A verticalidade entre eles na empresa inverte os polos entre quatro paredes em um crescendo catapultado por uma sensação de instigação. Cada vez mais, ele exerce mais poder sobre ela, até ela, inevitável e previsivelmente, sucumbir. Curiosamente, em determinado momento, Romy objetifica Samuel, desejando estabelecer grilhões, o que ele jamais aceita, pois objeto ali precisa ser ela.
O texto estabelece uma articulação interessante entre a atividade exercida pela empresa, a automação, e a monotonia detectada pela protagonista em sua vida, como se vivesse no “piloto automático”. Existem outras metáforas interessantes, como a da cachorra (de função narrativa e simbólica) e a da canção “Father figure”, mas Reijn privilegia o minimalismo. Sua direção é naturalista: a câmera pouco se movimenta, não há músicas na maioria das cenas de tensão e geralmente as cenas são longas. Coerente com a proposta, não há uma sexualização das personagens, de modo que a nudez, exclusiva de Kidman, não é espetacularizada (leia-se, é diminuta, sempre parcial, e não além do necessário), enquanto Dickinson, por exemplo, usa um figurino folgado. Afinal, Samuel não foi seduzido por Romy, ela que viu nele uma oportunidade de satisfação.
Enquanto drama, o filme consegue adentrar na psique de Romy e demonstra a sua confusão mental (estabilidade versus desejo, id versus superego). Ele seria melhor, porém, com doses maiores de suspense e tensão, pois sua estrutura clássica e a ausência de surpresas o torna um pouco monótono e muito previsível. Além disso, alguns temas frustram pelo trato superficial, como a idade (restrita ao botox) e o empoderamento feminino (cuja força efetiva está apenas em um diálogo travado com a personagem de Sophie Wilde). Boa parte da competência do longa se deve à espetacular atuação de Kidman. Outro acerto foi a proeminência do poder em detrimento do sexo puro e simples. Contudo, o longa poderia ser bem mais inventivo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.