Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“BABY” – A reconstrução para ser livre [48 MICSP]

Por onde quer que vá, o protagonista de BABY se encontra submetido aos grilhões de uma sociedade regida pelo dinheiro e pelo contexto sociocultural. O que ele quer é ser livre, o que demanda uma reconstrução pessoal como outros ao seu redor fizeram. Mas como?

Wellington, de dezoito anos, foi recém liberado de um centro de detenção juvenil. Seus pais saíram do local onde viviam sem deixar rastros. Perdido nas ruas de Sâo Paulo, ele conhece Ronaldo, um homem de quarenta e dois anos que, ao mesmo tempo em que lhe ensina a sobreviver, começa a nutrir por ele sentimentos que os deixarão em atrito.

(© Vitrine Filmes / Divulgação)

O longa dirigido por Marcelo Caetano trabalha com três esferas distintas a partir do roteiro elaborado por ele e por Gabriel Domingues, cuja área de intersecção é Wellington. A primeira é a cena queer urbana paulistana, com um retrato que exibe as pessoas comuns que cantam e dançam em locais públicos – a “Família Close Certo” -, a intimidade em locais compartilhados mediante pagamento (o cinema, a sauna) e o universo do tráfico e da drogadição (embora nesse caso a associação não seja automática nem necessária, ela apenas existe). Nessa esfera, a ideia é mostrar o engajamento de Wellington com seus amigos e com o mundo que Ronaldo apresenta – o da prostituição e das drogas -, o que gera cenas muito díspares quando comparadas as apresentações dos amigos com, por exemplo, a ótima e tensa cena em que o protagonista fica no carro com Vini (Cleo Coelho) e Torres (Luiz Bertazzo).

A segunda esfera reside na trama familiar de Wellington. Aqui, Caetano não faz um melodrama, mas um drama contido que acaba envolvendo até mesmo Priscila (Ana Flavia Cavalcanti). De certa forma, o conceito de família é reelaborado pelo pentágono formado entre Wellington, Ronaldo, Priscila, Jana (Bruna Linzmeyer) e o filho de Ronaldo, nascendo entre eles um afeto digno desse conceito. Fato é que a intenção nunca é melodramática nessa parte, de modo que mesmo no clímax do drama preponderam as atuações do elenco, sem uma música que espetacularize o momento. Nessa esfera, ainda, Wellington aprende que, para se livrar das amarras da sua vida como a conhece, precisa se reinventar como fizeram Ronaldo e Priscila. A parte de compreender que o dinheiro exerce forte influência ele aprende rápido, demorando mais para perceber que pessoas como Alexandre (Marcelo Varzea) não representam uma solução perfeita para todos os seus problemas.

A terceira esfera é a mais interessante, tratando da relação entre Ronaldo e Wellington. João Pedro Mariano deixa a desejar nas cenas que exigem dele maior seriedade, na “versão Wellington” do protagonista. Já na “versão Baby”, Mariano aproveita seu sorriso carismático para criar um autêntico jovem ávido pela liberdade e empolgado com cada caminho que parece viável para alcançar esse fim. A cena em que ele joga no celular junto do filho de Ronaldo, de treze anos, mostra que ele está mais perto da adolescência do que da idade adulta, o que é corroborado pela maneira ingênua com que profere frases sugestivas para Alexandre (que soam mais como pedidos diretos do que meras sugestões). Com o figurino muitas vezes vermelho, simbolizando a paixão, e com estampas ferinas, simbolizando sua voracidade, Wellington quer que sua vida seja regada de momentos como o que dança “Monday tuesday… Laissez‐moi danser” na pista junto de seu amigo, verdadeiramente faminto pela diversão sem maiores preocupações.

Ricardo Teodoro, por fim, é o maior destaque do longa, pois sua atuação como Ronaldo tem um brilho fenomenal. A maior parte do crédito se deve ao próprio Teodoro, que não se limita à sua fisicalidade para interpretar um sujeito visualmente bruto  – contrastando por completo com o corpo de Baby (barba, pelos corporais, músculos…) -, mas traduz pelo olhar um sujeito sensível e rapidamente apaixonado. É verdade que o roteiro não se preocupa em convencer o espectador do que leva Ronaldo a essa paixão avassaladora, pois não são muitos os momentos românticos dos dois (tudo acontece rápido demais para tais propósitos). Contudo, o ator compensa a falha do roteiro e convence que foi “amor à primeira vista” (um clichê não pejorativo, evidentemente).

O contexto se torna mais complexo quando o sentimento de Ronaldo se transmuda para algo possessivo e ele usa o “profissional” para justificar e contentar o pessoal, enxergando Baby como algo sobre o que tem direitos, não alguém que tem direitos próprios. Em algum momento e de alguma forma, os dois, juntos ou separados, precisarão se satisfazer mediante escolhas para uma reconstrução das próprias vidas. Somente assim ambos serão livres, pois a situação se torna cada vez mais insustentável.

* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).