“ASPIRANTES” – O desnorteio e a inveja
Um sentimento negativo como a inveja pode ser tão destrutivo para o invejado quanto corrosivo para o invejoso. Para tornar essa sensação ainda mais voraz, basta adicionar ingredientes que, de alguma forma, aumentem o abismo da condição dos envolvidos – ao menos do ponto de vista do invejoso. É essa a fórmula temática de ASPIRANTES.
O filme é protagonizado por Júnior, um jovem que sonha em ser jogador profissional de futebol. Apesar de se esforçar no modesto Bacaxá, em Saquarema (RJ), o destaque da equipe é sempre o seu amigo Bento. Com a gravidez de Karine, sua namorada, o brilho do amigo nos jogos se torna cada vez mais incômodo.
O foco da obra é no protagonista e sua percepção subjetiva sobre a própria condição. Com base nisso, o roteiro escrito por Ives Rosenfeld (que também dirige o longa; direção, aliás, bem promissora) e Pedro Freire adiciona camadas a Júnior, que se torna deveras complexo em seus conflitos. A gravidez de Karine não é vista como algo ruim, mas uma preocupação – ao menos para ele (para ela, talvez nem tanto). Percebendo a dificuldade no autossustento (que evidentemente se agravará com o filho vindouro), Júnior exerce trabalhos sem relação com o futebol, trabalhos braçais que podem complicar seu futuro no esporte.
Futuro? Que futuro? Apenas Bento parece ter futuro. É esse justamente o ponto de partida para a inveja internalizada por Júnior: por que apenas ele parece promissor no futebol? Para piorar – claro, do ponto de vista do protagonista -, Bento oferece ajuda ao amigo quando sabe da gravidez de Karine, nobreza que não é bem recebida por ele. Enquanto isso, o namorado da sogra confia muito mais no talento de um desconhecido do que no de Júnior. Há que se considerar que o protagonista é um rapaz muito novo, morador de uma região humilde e que se depara com uma vida árdua demais. Se ao menos ele tivesse a “sorte” (por falta de uma palavra melhor) de Bento…
Mas não tem. O mesmo não se pode dizer de seu intérprete: Ariclenes Barroso é ótimo encarnando um jovem amargurado pelo contexto desfavorável em que se encontra. Após uma passividade inicial, não tarda para Barroso revelar em Júnior uma palpitante implosão, capaz de respingar até mesmo em Karine – esta vivida por Julia Bernat, confortável com uma namorada apaixonada e pouco responsável (não apenas em razão da gravidez, responsabilidade de ambos, mas pela vontade de praticar sexo em público e pela resistência a uma alimentação saudável pelo bem do bebê). Lamentavelmente, após a implosão de Júnior, o roteiro não sabe o que fazer com a narrativa. É boa a mescla entre paternidade (ou vida adulta) precoce e inveja, mas o texto se perde a partir do clímax. No elenco está ainda Sérgio Malheiros, um coadjuvante não muito participativo.
Rosenfeld prioriza o naturalismo na filmagem da maioria das cenas, elevando a dramaticidade através de planos longos (como na cena do morro, na qual um two-shot frontal muda paulatinamente para um plano em diagonal) e reduzindo a sonoridade à diegese. Outra preocupação é na (pouca) profundidade de campo: tendo Júnior como protagonista, é ele quem está sempre no foco, normalmente mais à frente, sem ignorar, todavia, o que ocorre ao seu redor, como na excelente cena da discussão familiar (as falas dos outros são importantes, mas o foco dramático está com ele, portanto é ele quem deve aparecer).
Nas cenas do futebol, diversamente, surgem recursos estilísticos mais chamativos, como slow motion, planos mais curtos e músicas extradiegéticas – estas, no (legítimo) objetivo de manipular a emoção do espectador, seja através de um rock (na partida em que Júnior está mais violento, futebolisticamente falando), seja por meio de percussão mais simples. Nessas cenas, o diretor quer colocar o público junto ao protagonista, para sentir junto com ele – e embalado pela atuação bem convincente de Barroso – a frustração de não ter um bom desempenho com a bola.
O diretor se esmera em imprimir naturalismo à película inclusive em detalhes da mise en scène, tais como, por exemplo, a situação precária de Júnior (uma casa bem simples, bem diferente da de Karine e, principalmente, da casa do técnico) e a infantilidade ainda presente nas personagens (o quarto de Karine tem paredes em cor lilás e com adesivos de flores; os jovens se divertem como crianças em um parque de diversões). O não aprofundamento das questões periféricas seria uma falha perdoável (onde está a família de Júnior? Como ele recebeu a notícia de que Karine estava grávida? E a mãe dela, aceitou com aquela facilidade?) não fosse o desfecho do longa, que parece um trabalho sem rumo. Em termos narrativos, há muita construção de uma atmosfera para pouca evolução do plot (ao menos a partir de determinado evento). Assim, se é possível compreender a inveja sentida por Júnior, quando a trama fica desnorteada, o trabalho se esvai.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.