“AS PANTERAS” (2019) – Saudosismo
Na era das franquias, AS PANTERAS traduz um ímpeto de retomada – no caso, da série policial “Charlie’s Angels”, sucesso da década de 1970 – e o ocaso da criatividade em Hollywood. Mesclando os conceitos de reboot e sequel, o filme é melhor na memória afetiva do que na parte inovadora.
Na trama, Elena é uma engenheira de sistemas de uma grande empresa que descobre que a tecnologia criada para garantir energia sustentável pode ser utilizada como arma letal. Depois de ser ignorada por seus superiores, ela relata o perigo para as autoridades, passando a correr perigo de vida. Com isso, ela se envolve com uma agência investigativa, ajudando as detetives Jane e Sabina, comandadas por Bosley na missão.
Em termos de qualidade, a versão de 2019 não diverge muito da de 2000, dirigida por McG. Na direção, Elizabeth Banks usa os clichês de filme de ação sem muita ousadia – leia-se, perseguição e tiros com montagem frenética na batida de uma música qualquer. A falha da montagem de Alan Baumgarten e Mary Jo Markey se repete em uma cena de dança, na qual o excesso de cortes oculta uma potencialmente interessante (ainda que narrativamente inútil) coreografia.
A cenografia parece usar de matte paintings mal feitos e o CGI é pavoroso (logo no início, quando Sabina entra no helicóptero, já é possível ter uma noção do nível do que é feito nessa área). Assinada por Brian Tyler, a trilha musical usa muita música pop genérica, com nada menos que cinco músicas de Ariana Grande. O Leitmotiv da franquia, “Charlie’s Angels theme”, que toca em versão remix, é a única música com alguma personalidade.
De realmente positivo na técnica está o figurino de Kym Barrett, que coloca as Panteras em roupas criativas, bem variadas e coloridas (quase um desfile). Elas também mudam o penteado e a maquiagem, contudo é certamente o vestuário que chama a atenção, por combinar com a personalidade das personagens: Sabina em um estilo mais selvagem, muitas vezes com temas animais em suas roupas (pele de onça, por exemplo), geralmente em street style; Jane mais versátil, variando mais por se adaptar às missões; Elena é a mais clássica e discreta das três, enquanto Bosley é a mais elegante. Aliás, em termos de elegância, até mesmo o principal capanga do vilão usa roupa social.
Escrito por Banks juntamente com Evan Spiliotopoulos e David Auburn, o espírito da série original é mantido e ampliado, mostrando todas/todos as/os Bosleys do mundo, além das Panteras antigas. É empolgante a expansão do universo da Townsend, que não apaga o que foi feito antes – pelo contrário, aparecem fotos de Panteras antigas, mostrando que tudo coexiste na mesma realidade, sem contradições de relevo. Talvez a única novidade ruim seja Santo (Luis Gerardo Méndez), personagem inútil e incoerente (depois de se mostrar tão carinhoso com elas, não faz sentido a “bronca” que dá em Elena quando esta pega a caixa das balas).
Com a atmosfera feminista que o filme tem, desnecessário um diálogo tão didático como o do prólogo (e ainda filmado em close, para gritar para o espectador até ensurdecê-lo). Aliás, os diálogos muitas vezes são decepcionantes, incluindo até mesmo um momento gasto pelo vilão para descrever os pormenores de seu plano maligno. A narrativa é bastante dinâmica, variando em locais (do Rio de Janeiro a Istambul) e acelerando o ritmo nas tarefas designadas às heroínas, quase como se fosse um jogador passando de fase. Os plot twists são bem previsíveis e a premissa do enredo (energia sustentável versus arma letal) é risível. Na parte humorística, a melhor piada quase não faz sentido em português, pois o filme “Birdman of Alcatraz” teve no Brasil o nome “O homem de Alcatraz” (e provavelmente a maioria do público vai entender apenas a referência ao Batman de Ben Affleck).
No elenco, a novata Ella Balinska vai muito melhor que as experientes Naomi Scott e Kristen Stewart. Parte disso pode ser atribuído à sua personagem, pois Jane é quem tem um backstory melhor delineado e a motivação mais convincente (vingar Bosley). Stewart tem com a falsamente (pois quer parecer o que não é) rebelde Sabina a maior parte do humor, algumas piadas funcionando (como na cena em que consegue o crachá), outras, nem tanto (a piada com Hamburgo é horrível). Não é seu melhor trabalho, mas também não é ruim. Scott é manifestamente a pior, vez que Elena é a personagem que cai de paraquedas em uma trama que não é sua e fica o filme todo deslocada (quando ela pretensamente demonstra surpresa por ser alvo do capanga, sua atuação atinge um nível estratosfericamente ruim). Elogiar Banks, Patrick Stewart e Djimon Hounsou (Bosleys) seria desnecessário. Noah Centineo surpreende positivamente por brilhar em pouco tempo de tela, enquanto Sam Claflin tem um papel deplorável (a comédia a partir de gritinhos é paupérrima).
Em sua versão de 2019, “As panteras” funciona melhor na parte saudosista, com homenagem a trabalhos pretéritos e a defesa do protagonismo feminino na ação. Uma continuação com perfil de recomeço que pode ter valor positivo decorrente da memória afetiva, mas não em termos cinematográficos.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.