“@ARTHUR RAMBO: ÓDIO NA REDE” – Odiamos e nos odiamos
Karim D. está cercado, se sente traído e nada culpado. São inimigos que o cercam e amigos que os abandonam, a cultura do cancelamento é combustível para destruir aqueles que nada de errado fizeram. Pelo menos é isso que o protagonista sente, até realmente passar por um processo de reflexão sobre suas ações e em que lugar está na sociedade. Passando então para um aprofundamento sobre quem era seu pseudônimo que dá nome ao filme, @ARTHUR RAMBO: ÓDIO NA REDE, e como na verdade, esse personagem era uma parte negada dele mesmo.
Após a publicação de seu livro “Desembarque”, em que o protagonista escreveu uma biografia ficcional contando a história da mãe, imigrante Argelina que passa a morar na França, Karim D. acaba ganhando grande popularidade, com seu escrito sendo cotado inclusive para uma adaptação em longa metragem. Os problemas surgem quando tweets antigos de sua conta passam a serem expostos e demonstram diversos discursos de ódio, que ele promovia com o pseudônimo de Arhur Rambo, contra mulheres, LGBT, judeus e imigrantes. A partir daí acompanhamos a derrocada do personagem, tentando passar por toda a tempestade que um cancelamento desse patamar pode causar.
A direção de Laurent Cantet brilha na primeira metade do longa ao transmitir como toda essa tempestade recaindo sobre o personagem se reflete em um sentimento constante de perseguição e inquietude. A câmera na mão e em constante movimento sempre seguindo o olhar do personagem, que procura a todo momento uma rota de fuga, fazendo o espectador também ficar paranoico, os espaços em que ele adentra também parecem claustrofóbicos e pouco acessíveis à sua chegada e até a forma como os tweets invadem as cenas ao fundo refletem esse sentimento de estar cercado pela verdade. O protagonista, depois de exposto e questionado pela editora, parece estar em uma constante procura por um espaço onde se sinta apoiado. Seus chefes, conhecidos de profissão, amigos e inclusive sua família são as paradas nessa constante corrida por algum tipo de aprovação ou defesa, a tristeza e crise do personagem estão em não achar nada que sustente a sua defesa nestes lugares. De início os únicos sentimentos são a raiva e a necessidade de se defender. A beleza do roteiro, também escrito pelo diretor, está em deixar a incógnita na audiência o porquê de Karim escrever aquilo. Afinal, ele se sentia injustiçado ou exposto? Então um longa que a princípio parecia estar apenas procurando expor a agressividade da cultura do cancelamento passa então a levantar reflexões sobre o que expressamos quando nos sentimos imunes e apoiados por outras vozes.
Em sua jornada por procurar um lugar com apoio e em suas passagens pelos lugares, o sentimento de paranoia e julgamento o cerca. O medo é de ser atacado, de estar exposto, de agora olharem para ele e perceberem seu verdadeiro eu. A dualidade do filme está justamente em mostrar esse sentimento de estar sem chão que o cancelado sente, ao mesmo tempo em que não o isenta de seus atos.
Por isso, o longa quase se torna um road movie, mas que acontece em uma só cidade, porém tanto as estradas onde se sente observado quanto as paradas onde não encontra apoio são essenciais para a jornada introspectiva do protagonista.
Em dado momento ele se encontra em sua casa, lugar de afeto e segurança, mas mesmo ali não consegue exatamente o que queria. Quando sua mãe pergunta o que está acontecendo, ele diz que ela não entenderia. A procura do personagem é, naquele momento, simplesmente não se responsabilizar pelo que está passando, sua mãe então o questiona, já que ela é interessante o suficiente para ter um livro com sua própria história, mas ele não a considera capaz de entender o porquê das frases odiosas que ele escrevia na rede social. É aí que está o ponto: sequer ele mesmo sabia, e preferia então tratá-la como incapaz, ao invés de assumir isso ou se entender.
Depois disso, em uma caminhada à noite, em um momento de epifania, Karim se desvia de seu caminho e vai em busca do que parece ser a sua mentora. Em meio às ruas escuras e vielas abandonadas, essa jornada o leva para o lugar onde essa possível mestra mora. A distância não parece ser grande, mas a diferença estrutural entre o lugar onde ele mora, um prédio popular de maioria imigrante, e a casa de luxo que parece existir ali desde sempre, demonstram qual o peso que aquele momento, que deveria ser de ascensão, mas que se tornou uma queda vertiginosa, tem para o protagonista do filme. Na sua chegada, Karim encontra a personagem Louise de Blossière, que lhe entrega, por um grande momento, apenas silêncio. Tudo que Karim precisava estava ali, silêncio e acolhimento, não uma defesa, nem um debate, apenas alguém disposto a escutá-lo, independentemente do assunto. Este lugar que mais se parece neutro, se comparado ao resto do longa, parece ser onde é permitido sofrer, chorar, se culpar e até dormir, pois o peso de odiar dói, assim como o de ser odiado.
Sempre teimando em colocar em palavras, tudo aquilo que só é possível sentir.