“AQUELES QUE ME DESEJAM A MORTE” – Subtexto vazio para uma trama simplória
Um bom filme não precisa, necessariamente, ter uma trama repleta de acontecimentos e explicações claramente estruturados. Tal lembrança se faz necessária quando algumas percepções supervalorizam essa dimensão do roteiro e menosprezam os subtextos e as experiências sensoriais propostos. No caso do cinema de Taylor Sheridan, sendo roteirista ou diretor, a história em si importa menos que a maneira como ela é apropriada para trabalhar temas e sensações para além de expectativas iniciais. AQUELES QUE ME DESEJAM A MORTE segue o mesmo princípio, mas parecendo sempre indeciso ou burocrático das escolhas a serem feitas.
Em uma reserva florestal de Montana, o filme encontra seu cenário central para seguir o menino Connor de 12 anos. Ele fugia na direção do lugar com o pai, ambos perseguidos por assassinos que trabalham para figuras poderosas que temem serem incriminadas pelo que Owen descobriu. Após presenciar o assassinato do pai, o garoto continua a fuga sozinho até encontrar proteção com a bombeira florestal Hannah. Então, os dois precisam escapar de seus caçadores e buscar ajuda com o xerife Ethan.
Comparado com seus projetos anteriores, o novo trabalho de Taylor Sheridan é o que menos se interessa por uma trama robusta e imune a eventuais críticas de ter deixado pontas soltas. Em “Sicario: Terra de Ninguém” e “A qualquer custo” (escritos por ele), abordava as relações conflituosas entre EUA e México sob a dimensão do combate às drogas e a crise imobiliária/bancária estadunidense de 2008; e em “Terra Selvagem” (estreia na direção), abordava a questão dos nativo-americanos e das mulheres nos EUA. Já na produção mais recente, há uma história de perseguição para silenciar uma personagem que tem provas contra certos criminosos já vista outras várias vezes, que não se preocupa em revelar o que os vilões fizeram, como Owen descobriu e que provas seria essas. Porém, não é isso que torna a obra superficial, afinal enredos simples podem se desenvolver de formas expressivas a depender da abordagem do realizador.
O que faz a narrativa ser genérica é a falta de personalidade para imprimir algum subtexto ao que se vê. Em determinado momento, poderia se esperar que o trauma de Hannah por não ter salvado algumas crianças em um incêndio poderia se desenvolver bem como arco de recuperação pessoal, principalmente a partir da dinâmica com Connor. E sob determinado ângulo, Angelina Jolie protagoniza cenas em que encarna com alguma eficiência as dores do passado recente, e o jovem Finn Little demonstra com méritos a impetuosidade e insegurança de um menino colocado em uma situação de grande perigo. Entretanto, a interação de Hannah e Connor não atinge maiores impactos emocionais, fazendo soar artificial a proximidade entre eles e a recuperação da confiança da mulher bastante tímida – assim, a conexão entre as personagens não é forte o suficiente para transparecer como o principal eixo narrativo e dramático.
Levando em consideração a mise-en-scène do diretor, as contradições do espaço cênico poderiam ser o grande mote da narrativa. Por um lado, as florestas de Montana parecem encantadoras e um refúgio para os moradores ; por outro, abrigam trovões, tempestades e incêndios que, sendo naturais ou não, podem se descontrolar e gerar sérias ameaças. Essa dualidade possibilita sequências mais interessantes do que aquelas desencadeadas pelos assassinos Patrick e Jack, pois os dois não são nada além de antagonistas genéricos dispostos a cumprir sua missão sem peso na consciência quanto à violência utilizada – por exemplo, o risco do avanço do fogo e da destruição de uma área extensa cria um clímax mais poderoso. Entretanto, Taylor Sheridan não valoriza tanto quanto poderia as locações, já que ele exagera no uso de planos gerais para contextualizar a ação ou transitar de uma cena a outra (parece que a câmera se deslumbrou com a paisagem e se perde contemplando o ambiente ou que o público precisaria ser lembrado constantemente onde os fatos acontecem).
Além de não desenvolver um tema consistente, a produção também se torna genérica na abordagem estilística da trama. Se em “Sicario: Terra de ninguém“, “A qualquer custo” e “Terra selvagem” ressignificam, respectivamente, os gêneros policial, faroeste e suspense, “Aqueles que me desejam a morte” não faz o mesmo com a ação. As sequências de perseguição e de confronto são encenadas burocraticamente, sendo em geral reciclagem de situações muito familiares do gênero sem inserir algo próprio ou diferente (os momentos em que os vilões se mostram ameaçadores, uma personagem é salva na última hora e um confronto armado é concluído de forma previsível quando é necessário recarregar rapidamente as armas). Existe apenas uma tentativa de encenar uma sequência fora dos clichês tradicionais, quando o ataque ao carro de Connor e Owen é construído calmamente.
Nesse sentido, as cenas de ação possuem uma força relativamente maior quando se concentram nas personagens femininas, embora a narrativa não se debruce sem ressalvas nesse aspecto. Hannah não é uma personagem que precisa ser salva por alguma figura masculina, pelo contrário, ela tem um papel significativo na proteção de Connor e no confronto com os assassinos. Algo semelhante acontece com Allison, esposa grávida do xerife Ethan, que resiste às investidas cos vilões, se protege usando os conhecimentos de uma pessoa que trabalha com aulas de sobrevivência dentro da floresta e também cumpre um papel decisivo contra os vilões. Ainda que tais elementos estejam presentes no roteiro, o cineasta não os destaca a ponto de fazer a luta pela sobrevivência dessas mulheres se tornar uma questão chave no desenvolvimento da narrativa.
Mesmo que em alguns momentos as comparações possam não ser as melhores possibilidades para se refletir sobre a carreira de um realizador, traçar paralelos em busca de uma visão artística pode ser um caminho possível para estimular o debate. Então, quando se fala que “Aqueles que me desejam a morte” pode ter uma narrativa simplória, a questão é a percepção de que o filme não utiliza sua aparente simplicidade para fugir da armadilha de ser genérico ou vazio. Ao contrário, conforme os minutos passam e a conclusão se aproxima, maior fica a impressão de que a produção não sabe como encerrar os conflitos que abriu de maneira a impactar o espectador. Prova disso é o fechamento do arco de Hannah e Connor, que depende de um envolvimento emocional não estabelecido anteriormente, bastante representativo de como faltou a Taylor Sheridan compreender a história que gostaria de contar e os recursos que poderia mobilizar para isso.
Um resultado de todos os filmes que já viu.