“AQUELA SENSAÇÃO QUE O TEMPO DE FAZER ALGO PASSOU”
Ainda que determinadas temáticas ainda gerem um certo desconforto, a sua relação com as imagens vem se transformando. A exposição de questões sexuais tem ganhado cada vez mais perspectivas, propondo novos diálogos entre o cinema e os autores. Esse é o caso de AQUELA SENSAÇÃO QUE O TEMPO DE FAZER ALGO PASSOU, que investe em um encontro físico e metafórico entre as formas de submissão na vida.
Cansada com a monotonia de sua rotina, Ann sente as frustrações em relação ao seu relacionamento BDSM. Ela enfrenta a decepção com o próprio trabalho e é incompreendida por sua família, buscando maneiras de reencontrar seus objetivos. Na busca por novos parceiros, algumas descobertas podem transformar a sua vida.
Dirigido pela própria atriz e protagonista, Joanna Arnow, o filme pavimenta bem a sua paralisação. O naturalismo da fotografia determina um cotidiano de poucas excitações, ainda que, por outro lado, as cenas de nudez sejam bastante frequentes. Existe uma organicidade na forma de se registrar o corpo que chama muita a atenção, que aceita as experiências procuradas pela personagem-criadora sem quaisquer julgamentos.
Talvez seja esse último aspecto o melhor explorado pelo filme: a sua naturalidade. As relações BDSM não existem como plataforma para discutir um determinado tabu, sendo inclusive exploradas de uma forma pouco habitual, que não chama muito o foco para o choque ou para si. Tudo é padronizado pelo mesmo marasmo da rotina profissional de Ann, o que cria um senso de montagem com relação ao esgotamento do próprio material fílmico.
Cabe esclarecer que essa padronização não se filia a um procedimento de classificação estética, comparando ou submetendo a qualquer critério aquela exposição física. Mas, pelo contrário, a ideia é desenhar um desencantamento com relação aos estímulos. O senso de expectativa, de se antecipar um plano após o outro, assim como Ann em seus processos de submissão, se esvai, denunciando esse tédio redutor de experiências e sensações.
É pela sinceridade da direção de Arnow que o filme se destaca. Seus apontamentos determinam uma cineasta que procura, no subtexto, investigar outros diálogos possíveis com a imagem. O desconforto de algumas sequências surge como ferramenta para desarmar, provocando com um humor que irrompe justamente desse atrito entre o comum e o reprimido. Não existe uma maneira catártica do último irromper através do primeiro, mas é no reajuste dessa expectativa mais dinamizada que a diretora encontra a sua assinatura.
A comédia que se encontra justamente nesse descompasso entre as expectativas de um relacionamento – seja ele romântico, profissional ou familiar – e a normalidade com a qual se dá esse mesmo registro. Isso assinala não só a coragem da diretora, que constrói a própria exposição com delicadeza, como também insere o filme em uma posição curiosa dentro de uma safra recente de produções do tipo.
Por outro lado, a obra admite um acabamento um pouco reciclado dentro desse cinema independente, dissociado de uma dramaturgia mais direta e ancorado por essa mesma indiferença, pelo menos aparente, com a resolução de suas personagens. Uma filmografia de ceticismos, que vem se desenhando nesse cenário alternativo para reinvindicar um formato que escape aos grandes estúdios.
Embora alguns desses flertes se façam presentes, seria injusto acusar o filme, em seu crescimento, dessa mesma esterilidade emocional. O paralelo entre as submissões, em vida e em cama, de Ann, criam uma protagonista curiosa, pela qual é fácil de se torcer. A especificidade de algumas desventuras projetam uma essência interessante para a produção, alinhando espectador e personagem.
Mesmo em seu modo mais bruto de ser, o filme se destaca por conseguir driblar aquela mesma ideia de esgotamento – na forma como expõe as relações, o corpo e o emocional -, não criando uma armadilha própria para si e sim investindo na diversidade dos encontros em que Ann se coloca.
Como um todo, existe um lugar comum, desse cinema americano e independente dos últimos anos, em “Aquela sensação que o tempo de fazer algo passou”. É na honestidade de sua idealizadora, presente igualmente em mente e corpo, que o filme acaba se destacando, construindo um curioso senso entre a submissão da protagonista em suas dinâmicas de vida, e a normalização de seu processo de ruptura. Tem-se em Joanna Arnow uma cineasta com muito potencial, fiel à beleza do cotidiano e à naturalização de tabus sociais.