“APERTEM OS CINTOS… O PILOTO SUMIU!” (1980) – Riso ameno e sincero
Muito antes de memes como “the zoeira never ends”, a zoeira já era o método adotado por muitas comédias. Um dos maiores exemplos é APERTEM OS CINTOS… O PILOTO SUMIU!, filme de 1980 que extrai humor tanto de situações plausíveis quanto de circunstâncias esdrúxulas, sem comprometimento com praticamente nada. Sim, é um filme bobo. Mas também é engraçado.
O longa cria um contexto real desesperador: em determinado voo, muitas pessoas passam mal em razão do que foi oferecido para comer. Dentre essas pessoas estão o piloto e o copiloto, além, é claro, de diversos passageiros. Sem os responsáveis por conduzir a aeronave, um médico coloca Ted, um traumatizado piloto de guerra, para assumir a função. Ted planejava apenas recuperar o amor de Elaine, sua ex-namorada e comissária de voo (em serviço), porém sua tarefa se torna bem mais difícil.
A rigor, o roteiro não tem nada de extraordinário, revelando, na verdade, uma situação plausível para o ano de 1980. Se a tripulação passa mal, algum passageiro precisa tomar as rédeas da situação. É o que ocorre com o dr. Rumack, vivido por Leslie Nielsen, uma das personagens mais sérias da produção (e é a sua seriedade que traz a graça). O médico é quem examina as pessoas e conclui a necessidade de pouso para levá-las a um hospital, praticamente convocando Ted.
Já o Ted de Robert Hays domina as cenas em que participa – contudo, mais pelo texto do que pela atuação de Hays. Quanto ao intérprete, a única cena que demanda dele um trabalho mais difícil é a da discoteca, em que ele precisa ter bom desempenho corporal. Talvez seja essa a melhor cena da película, que parodia brilhantemente “Os embalos de sábado à noite” (lançado três anos antes): Hays incorpora jocosamente o John Travolta que habita em si através de uma roupa que simula a deste no filme parodiado, imitando até mesmo os movimentos de dança. A sátira não estaria completa sem “Stayn’ alive”, dos Bee Gees, que inteligentemente dialoga com parte da cena (nos segundos antes de Ted dançar com Elaine).
A cena mencionada não é a única em que um filme é satirizado: o prólogo é uma inusitada referência a “Tubarão” (de 1975), revelando a proposta de Jim Abrahams, Jerry Zucker e David Zucker (que escreveram o roteiro e dirigiram “Apertem”). O que pretendia o trio com a sua obra não era nada próximo de uma comédia intelectual ou com crítica social, muito pelo contrário. Trata-se da zoeira pela zoeira, apenas episodicamente apelativa (quase sem piadas escatológicas ou sexuais) e genuinamente engraçada.
A zoeira não tem limites. Há humor com parônimos (“surely” e Shirley), homófonos (Roger, substantivo próprio, e “roger”, substantivo comum) e ambiguidades (“tirar fotos”); piadas imagético-sonoras (o pulsante coração) e piadas meramente visuais (a passagem de fumantes, a cena em que Randy pega o violão para tocar etc.). Excepcionalmente, surgem piadas questionáveis (zoofilia), contudo o que prevalece é um humor leve e autêntico: desentendimentos em diálogos (“primeira vez?” e “hospital?”), cenas inverossímeis (o homem conversando com a namorada enquanto a aeronave começa a se deslocar, o casal se beijando na praia ignorando as ondas e os resquícios) e assim por diante.
É admirável a criatividade dos roteiristas em criar humor em tamanha quantidade sem precisar, em regra, recair no ofensivo. Talvez seja esse o maior mérito, já que o filme é assumidamente estúpido e jamais tem a pretensão de ser intelectual. O backstory de Ted dá uma dimensão dramática à personagem, que é justamente o que permite uma evolução da trama, sem prejuízo dos flashbacks em fusão. Problemas de continuidade (onde foi parar o estetoscópio que estava no pescoço do médico?) se tornam irrelevantes em razão da proposta descompromissada. A trilha musical não precisa ser única ou marcante, “Airplane!” (título original do longa) não é esse tipo de filme.
Então, qual o tipo de filme que é “Apertem os cintos… o piloto sumiu!”? Simples: tipo engraçado. Não precisa ser genial ou inteligente (embora o uso do piloto automático seja de uma sagacidade elogiável), tampouco tratar o espectador como idiota. É justamente o contrário, pois é o filme que se assume como idiota e faz piada com a própria idiotice. É evidente que nem todas as piadas funcionam. Mais uma vez, a película não tem essa pretensão. O que ela quer é fazer a plateia rir, mesmo que seja com as tolices de seu script. Um riso ameno e sincero como a própria produção.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.