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“AMEAÇA NO AR” – Pior

Existem vários perfis de filmes de suspense envolvendo crimes ou criminosos dentro de um avião. “Força aérea um” enfatiza a ação orbitando em torno de um dilema moral. “Plano de voo” elastece o mistério para deixar a sua trama bem enigmática e instigante. Caminho similar é seguido por “Sem escalas”, profundamente misterioso, porém mais focado na adrenalina. O nacional “O sequestro do voo 375” retrata uma história real seguindo os moldes hollywoodianos para estabelecer um herói digno de tal título. Todos esses filmes adotam certas convenções, o que também é feito em AMEAÇA NO AR. Nesse caso, porém, a adoção ocorre da pior forma possível.

Madolyn é uma agente do FBI responsável por garantir o transporte em segurança de Winston, um fugitivo capturado que irá depor contra um criminoso para quem trabalhava. À medida que atravessam o Alasca, são reveladas verdades sobre Booth, o piloto do avião em que se encontram, e sobre a própria Madolyn.

(© Paris Filmes / Divulgação)

Causa certa surpresa que, depois de dirigir boas obras como “Coração valente”, “A paixão de Cristo” e “Até o último homem”, Mel Gibson tenha reduzido a tal nível a sua filmografia com “Ameaça no ar”. Certamente um primeiro problema do longa reside no roteiro de Jared Rosenberg, que vai do inverossímil à construção deficiente. A suspensão da descrença exigida é colossal (o uso da haste de óculos seria um opróbrio para qualquer roteirista sério) e o senso de realidade é ignorado (a solidão do piloto e da agente, facilitando a escrita do roteiro, mas dificultando a sua aceitabilidade). A progressão narrativa é mal elaborada, restando evidente a falta de material para os aproximados noventa minutos. Nesse sentido, as surpresas não são envolventes, em parte porque a fabricação do drama (como aquele envolvendo um familiar de Winston) é paupérrimo. Previsível ao extremo, o script conta com surpresas que não surpreendem, soluções fáceis (a comunicação por celular, por exemplo) e sugere um subtexto desnecessário e que destoa do clima apresentado. Trata-se, nesse caso, das sugestões sexuais de Booth, algo que não faz sentido naquele universo (se a ideia é atribuir-lhe um backstory, haveria maneiras muito melhores de o fazer).

As personagens se dividem em dois tipos. No primeiro estão os clichês da heroína valorosa, mas traumatizada – e que tem a oportunidade de superar o trauma -, e do psicopata sem valores pessoais e obstinado em seu objetivo de criar o caos. Michelle Dockery é péssima no papel de Madolyn, uma vez que inexpressiva tanto no drama (como ao revelar sua história pregressa) quanto na tensão (não consegue transmitir a apreensão da tarefa que a personagem assume). Mark Wahlberg acredita que o sotaque artificial e o overacting fazem do piloto um psicopata convincente, sendo apenas irritante e repetitivo. O exagero ocorre até mesmo em sua caracterização visual, o que é claramente despropositado. No segundo tipo, duas personagens não se enquadram em clichês. Topher Grace é simpático como Winston, um criminoso sarcástico e medroso em sua verborragia usada para fins humorísticos. Quase infantil, Winston é constantemente apavorado e desesperado, o que seria divertido se o filme não se levasse a sério. Tanto ele quanto Hasan (Monib Abhat) parecem pertencer a outro filme, constituindo alívios cômicos duvidosos (Winston funciona episodicamente; Hasan, nunca) e rompendo o suspense almejado.

Os deméritos de “Ameaça no ar” não estão apenas no roteiro e no elenco. A montagem é simplesmente pavorosa, seguindo a crença equivocada de que uma sequência frenética de cortes sempre estimula a tensão (a cena em que uma personagem agride fisicamente outra é assustadoramente ruim nesse quesito). Além disso, os efeitos visuais são ruins (em especial no desfecho) e, na trilha musical, a canção com letra (“Blue monday”) não faz sentido algum, ao passo que as instrumentais são bregas. A direção de Gibson, na realidade, é bem cafona, por exemplo no uso risível de zoom in para closes de personagens e nos diálogos travados com artificialidade (geralmente por força do ritmo acelerado). Trata-se com certeza do pior filme que ele dirigiu e, já em janeiro de 2025 – ou seja, previamente -, um dos piores longas do ano que apenas se inicia.