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“ALIEN, O OITAVO PASSAGEIRO” – Explorações pelo terror, pela ficção e pelo simbólico

Nos primeiros minutos de ALIEN, O OITAVO PASSAGEIRO, a câmera desliza pacientemente pelo interior da USCSS Nostromo. Os tripulantes da nave são exploradores em uma missão comercial no espaço. Mais adiante, esse grupo desbrava uma área inóspita e a câmera faz o mesmo movimento. Anos depois de seu lançamento, o filme parece convidar os espectadores a também explorarem as imagens a que assistem para investigar o terror, a ficção científica e os ícones em torno do Xenomorfo.

(© 20th Century Fox / Divulgação)

Dallas, Kane, Ripley, Lambert, Ash, Brett e Parker fazem parte da tripulação com a tarefa de transportar uma carga para a Terra. O trajeto de volta é interrompido por sinais estranhos vindos de um asteroide que precisam ser investigados. No local, Kane é atacado por uma criatura. Levado para dentro da nave, ele carrega o embrião de um alienígena que, ao crescer rapidamente, será responsável por uma caça mortal a todos os presentes.

As duas sequências citadas no primeiro parágrafo traduzem em mais de um sentido a encenação de Ridley Scott. O tempo tem a sua própria duração cadenciada e um ritmo de desenvolvimento sem pressa para dar o tom de isolamento a que estão submetidos os personagens (algo utilizado na campanha de marketing sob a frase “No espaço, ninguém vai te ouvir gritar”). Além disso, o diretor constrói planos longos para que o público possa explorar o que a narrativa oferece em termos de ficção científica. Assim, os olhares conseguem passear pelos espaços da USCSS Nostromo criados pelo diretor de arte Michael Seymour. Graças a uma grande profundidade de campo, os ambientes ganham em riqueza de detalhes para serem reconfortantes (sala de refeições), grandiosos (sala de maquinário) e ameaçadores (exterior da nave). A mesma decupagem lenta e silenciosa ocorre nas cenas externas, capazes de gerar atenção e curiosidade pela forma como a vida alienígena se desenvolve em ovos até encontrar um organismo para parasitar e expandir seu corpo com um funcionamento específico.

Enquanto se convida um olhar explorador que destrincha o universo da ficção científica, coloca-se em perspectiva o medo de olhar em momentos de terror. A curiosidade da visão não se sustenta tanto quando o Xenomorfo ataca, ou melhor, o temor está presente desde sua primeira aparição e até quando se cria a dúvida se ele está nos dutos de ar, na escuridão de um cômodo ou na curva de um corredor. A contradição entre precisar olhar para se proteger e esconder os olhos para não encarar a ameaça proporciona passagens icônicas no filme: a explosão repentina do tórax de Kane para liberar o alien é encenada com o cuidado da direção e da montagem para causar uma tensão surpreendente; a morte de Brett é filmada entre flashes de luz e o ponto de vista do gato da tripulação; e a descoberta do vilão próximo a Ripley no terceiro ato é construída como um jump scare banhado pela escuridão de uma nave em destruição. Aqui, a narrativa explora a si mesma e as possibilidades de criar imagens marcantes para o cinema.

Ridley Scott também explora as potencialidades de o terror e a ficção científica simbolizarem questões sociais amplas. Em primeiro lugar, há a presença indireta da empresa Weyland-Yutani, que organiza a tripulação e financia a missão. Embora as referências a ele sejam breves e nenhum personagem vinculado à empresa esteja em cena, é possível sentir sua influência. Brett e Parker questionam o pagamento combinado, reivindicando uma bonificação justa pelo trabalho. Mais à frente, eles afirmam que não farão nada além do que estava no contrato para não serem explorados. Porém, o próprio contrato possuía cláusulas que protegiam os interesses da instituição. E a reviravolta em torno de quem era Ash e quais seriam suas reais intenções sintetiza a prevalência dos lucros sobre a segurança dos tripulantes. Desse modo, a Weyland-Yutani aparece como mais uma vilã na trama no sentido de representar a opressão capitalista fora até da Terra e em situações de vida ou morte.

O simbolismo existente na narrativa também aparece no design da criatura e nas implicações sociais de sua representação. A concepção gráfica nasceu da obra do artista plástico surrealista H.R. Ginger, que foi retrabalhada pela dupla Rob Cobb e Chris Foss de efeitos especiais práticos. Partindo das ideias desses profissionais, foi criada a roupa a ser utilizada por Bolaji Badejo para dar vida ao alienígena. Todos os envolvidos contribuíram para fazer com que a biologia e os aspectos visuais do vilão tenham um caráter falocêntrico e sejam uma mistura de componentes tecnológicos e naturais. Na sua primeira versão física, parece ser a combinação de um parasita com um rosto em formato de testículo. Na sua versão mais madura, ganha a aparência de uma serpente com membros humanoides e uma espécie de submandíbula similar ao órgão sexual masculino. Em seus ataques, as vítimas parecem sofrer uma violência sexual tanto pela maneira como o Xenomorfo inflige ferimentos quanto pelo modo os personagens reagem a tais golpes (por exemplo, a cena da morte de Kane).

A construção visual do alien é o ponto de partida para fazer o terror explorar outras dimensões sociais e cinematográficas. O formato da narrativa ganha contornos de um slasher, no qual o vilão seria o assassino que faz uma vítima após a outra e o espectador se pergunta quem seria o próximo alvo e o sobrevivente. No entanto, é interessante como Ridley Scott tem consciência de traços conservadores desse subgênero ao longo de sua trajetória e os subverte através de uma abordagem menos usual. Em teoria, a primeira vítima seria uma pessoa negra, as mortes seriam elaboradas, os assassinatos seriam punição ao sexo e a final girl sobrevivente seria a mulher casta. Na execução, os homens brancos são os primeiros mortos, a insinuação do erotismo é passageira na sequência em que Ripley aparece de roupas íntimas e os últimos alvos são uma mulher mais desesperada e um homem negro (perfis geralmente esperados para as primeiras mortes). Além disso, Sigourney Weaver se inicia como uma atriz secundária, como se John Hurt, Tom Skerritt, Ian Holm e Harry Dean Stanton vivessem personagem mais importantes, mas ela gradualmente assume o centro da trama.

Quando menos se espera, “Alien, o oitavo passageiro” ainda abre espaço para outras questões serem exploradas. Nas primeiras vezes que se assiste, é possível questionar o porquê da presença relevante de um gato na nave, por exemplo vendo uma das mortes muito próxima e sendo ajudado a sobreviver no final. O espanto de torná-lo tão importante pode se transformar na reflexão se não seria um esforço para explorar a ideia de diferentes formas de vida. Ao mesmo tempo que as existências dos tripulantes importam, a existência de outra espécie animal também e a vida alienígena é parte essencial da história a ser contada. Além de investigar os espaços incomuns a serem desbravados, as características do horror e os subtextos sociais, o filme foi desenvolvido para explorar suas próprias vidas no futuro. Cinco outros títulos foram produzidos e lançados por diferentes autores, trabalhando com maior ou menor fôlego as possibilidades de o ser humano enfrentar a grandiosidade do desconhecido. Tudo isso a partir da força exploratória que o clássico dos anos 1970 apresentou e ainda apresenta.