“AGENTE DUPLO” – Debaixo do nariz e olhar para o umbigo
Popularmente, fala-se que algo está “debaixo do próprio nariz” quando está na frente da pessoa e ela não vê (como, de certa forma, o nariz). Em AGENTE DUPLO, o tema do documentário está debaixo do nariz do espectador, mas apenas ao final ele fica plenamente claro.
No Chile, Romulo, um investigador particular, é contratado por uma mulher para averiguar se sua mãe é bem tratada no asilo onde se encontra. Diante da desconfiança da cliente de que a idosa esteja sofrendo maus-tratos e da impossibilidade de entrar no local sem poder explicar o porquê, o investigador busca um idoso que possa exercer a função, repassando-lhe as informações pertinentes ao se internar no estabelecimento.
Nos minutos iniciais, a obra de Maite Alberdi coloca o conflito pressuposto entre idade, de um lado, e mercado de trabalho, de outro. Como diz um dos candidatos para a vaga, ao mencionar a idade constante no anúncio (oitenta a noventa anos): “estão loucos?”. Romulo Aitken precisa de alguém que não levante suspeitas, razão pela qual apenas um idoso pode se encaixar na função. Sergio Chamy talvez não tenha sido a escolha ideal do ponto de vista de Romulo (o que explica o título original do longa, “El agente topo”, já que “topo” significa, literalmente, toupeira), mas é claramente dedicado à função. Para ele, o trabalho, do ponto de vista mental, é ao mesmo tempo cansativo e libertador: cansativo, por exigir novos conhecimentos e atenção na execução; libertador, por permitir que pense menos na esposa recentemente falecida.
A premissa séria do documentário é desconstruída também nos minutos iniciais, quando o exagero da atmosfera criada – afinal, é apenas uma pequena investigação particular, não um serviço para James Bond – mostra que há uma veia cômica na produção. O humor tem fontes diversas, como no comportamento de Sergio, que não consegue disfarçar bem quando está seguindo alguém no asilo, em algumas personagens secundárias (Berta, em especial) e até mesmo na trilha sonora. Não que “Agente duplo” (escolha ruim do nome nacional, já que Sergio não é duplo, mas infiltrado) seja um filme de comédia, mas é fácil se divertir com o carisma e a naturalidade de pessoas que estão em uma fase de vida que não se importam (ao menos em sua maioria) com as câmeras – as expostas e as disfarçadas.
O serviço de Sergio consiste em investigar se há algo irregular no asilo, isto é, se os idosos são maltratados, se ocorrem furtos, negligências, agressões e assim por diante (envolvendo ou não os funcionários). O que ele deve reportar a Romulo são fatos, não a sua opinião. A tarefa, contudo, não é fácil: além de decorar códigos para se comunicar pelo celular, ele precisa aprender a lidar com a tecnologia, do óculos com microcâmera ao aplicativo Facetime. São várias, assim, as consequências da sua espionagem, principalmente no que se refere às relações humanas. Sergio entra como profissional no Asilo San Francisco, mas não ignora que está tratando com pessoas que sequer sabem disso, então ele as trata com bastante cordialidade e afeto, fazendo diversas amizades.
Outra consequência, que é um dos principais elementos dramáticos do filme, consiste nos efeitos deletérios da idade na saúde mental de um indivíduo. Se é engraçada a cena em que Sergio não consegue se lembrar de quem é seu alvo, o mesmo não se pode dizer da que envolve Rubira. Transitando entre o cômico e o dramático, “Agente duplo” se torna um filme tão simpático quanto o próprio Sergio, cujo carisma e capacidade de empatia transbordam na tela.
É certo que ocorre algo sério dentro daquele estabelecimento com paredes de cor verde abacate (tom que transmite alegria). A pista é fornecida por Sergio ao ser cobrado por Romulo: se a filha de “blanco” (código relativo ao alvo da investigação) está tão preocupada, por que não visita sua mãe? Talvez olhar para o próprio umbigo seja um exercício muito difícil, correndo o risco de perceber o que está diante do próprio nariz. No final, “Agente duplo” se torna um documentário bastante triste sobre a reflexão que propõe, o que apenas o enriquece.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.