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“A VOZ QUE RESTA” – Um lamento aprisionado na solidão

A claustrofobia emocional e espacial de A VOZ QUE RESTA marca o filme como uma experiência imersiva e, ao mesmo tempo, desgastante. A narrativa se concentra no desabafo de um homem incapaz de se libertar de uma relação fracassada, um lamento quase ininterrupto que permeia toda a duração da obra. O filme mergulha no íntimo de seu protagonista, expondo suas dores e fragilidades sem concessões, tornando o espectador quase um confidente involuntário de sua angústia. Embora a proposta tenha força estética e uma abordagem teatral bem definida, a repetição do formato monológico pode gerar cansaço no espectador, tornando a experiência exaustiva. O peso emocional é amplificado pela atmosfera opressiva, que reforça o caráter solitário da narrativa e aprofunda o impacto psicológico da história.

Na trama, Paulo, um jornalista frustrado, se vê aprisionado por Marina, sua vizinha, garçonete e atriz. O relacionamento entre os dois é marcado por uma dinâmica de sedução e controle, onde ela nunca se desvincula de seu casamento, mas também nunca permite que ele se afaste completamente. Paulo, desgastado pela dependência emocional e pelo bloqueio criativo, decide romper o ciclo. Embriagado, grava uma espécie de carta de despedida em fita cassete, expondo seu turbilhão interno. O filme acompanha sua tentativa de fuga e seu embate consigo mesmo, expressos na gravação destinada a uma Marina ausente.

(© Pandora Filmes / Divulgação)

A atuação de Gustavo Machado sustenta a proposta do filme todo, explorando nuances vocais e gestuais que tornam sua dor palpável. Seu monólogo não é apenas uma despedida, mas um processo de compreensão do próprio sofrimento. Ele não busca esquecer Marina, mas sim entender como seguir adiante. A forma como ele alterna entre raiva, saudade e resignação torna o personagem tridimensional, ainda que sua jornada emocional se arraste ao longo da projeção. Roberta Ribas, embora majoritariamente ausente fisicamente, é uma presença constante na mente de Paulo, reforçando a ideia de um relacionamento que persiste como uma sombra.

A proposta intimista dos diretores Gustavo Machado e Roberta Ribas é evidente na construção estética do longa. A mise-en-scène é dominada por planos fechados e pelo uso de cores que reforçam o estado emocional do protagonista, destacando-se tons de vermelho que intensificam a sensação de angústia. O ambiente quase único – um apartamento sufocante – amplifica a ideia de enclausuramento, tanto físico quanto psicológico. Se, por um lado, essa escolha é coerente com a narrativa, por outro, limita a dinâmica visual, tornando a experiência repetitiva. Ainda assim, há um cuidado na composição dos enquadramentos, e a solidão do protagonista é reforçada pelo vazio constante deixado por Marina — uma falta que se faz presente em cada silêncio e em cada espaço que antes era compartilhado.

Outro destaque é o trabalho sonoro, que adiciona camadas à experiência. A gravação da fita, por si só, já sugere um distanciamento temporal, um registro que ecoa como um testamento de algo que não pode ser mudado. Sobreposição de sons e ruídos ajudam a criar uma sensação de imersão, intensificando o impacto emocional. A trilha sonora, ainda que minimalista, se encaixa na proposta do filme, reforçando o caráter melancólico da narrativa. A edição também faz uso de sobreposições de imagem e cortes longos que enfatizam a introspecção do protagonista, criando uma experiência quase sensorial para o espectador.

Apesar de seus méritos estéticos e da profundidade emocional proposta, “A voz que resta” exige bastante do espectador. O formato teatral, que funciona bem em um palco, encontra dificuldades na transposição para o cinema, especialmente ao manter um único ponto de vista e um espaço restrito por quase toda a duração. O filme é, sem dúvida, um estudo interessante sobre a dor da despedida e a tentativa de reconstrução. Para aqueles que apreciam narrativas contemplativas e intensamente verbais, é um prato cheio, funcionando quase como um mergulho hipnótico na psique de seu personagem central. Já para os que buscam uma experiência mais dinâmica, a repetição do lamento de Paulo pode tornar a jornada mais árdua do que reflexiva, criando uma barreira que impede uma conexão emocional mais ampla.