“A VIÚVA DAS SOMBRAS” – O folclore supera o filme
De acordo com antigas lendas locais, as florestas em volta de São Petersburgo na Rússia abrigam a assombração de uma mulher brutalmente assassinada em seu vilarejo após matar o marido infiel. Desde então, ela teria se tornado uma bruxa responsável por desaparecimentos e assassinatos bizarros, deixando algumas vítimas nuas para serem encontradas. Essa é a base mitológica de A VIÚVA DAS SOMBRAS, um terror russo que tem dificuldades de equilibrar a sensação de realismo de eventos reais e a construção ficcional de uma história inspirada em crenças da região.
Além de se basear no folclore local, o projeto também se aproveita de incidentes ocorridos em 2017, quando uma equipe de resgate entrou na floresta para procurar um adolescente desaparecido. Os voluntários adentram no lugar com uma jornalista que registra o cotidiano do grupo para uma matéria jornalística. A partir do momento em que a comunicação com a base é misteriosamente interrompida, eventos sobrenaturais colocam as vidas de todos em risco.
Nas sequências anteriores ao aparecimento do título, o diretor Ivan Minin estabelece o estilo mockumentary para a encenação da trama. O falso documentário é construído tanto nas passagens em que um suposto programa televisivo investiga os desaparecimentos e as mortes na floresta, ouvindo relatos de pessoas que afirmam ser verdadeira a lenda da viúva das sombras, quanto nas cenas em que a repórter Christina acompanha o treinamento de Vika com os outros socorristas, simulando operações desafiadoras em condições adversas. À medida que a narrativa avança e os personagens são chamados para procurar um jovem perdido na mata, essa abordagem não segue algum princípio estilístico coerente e definido – a perspectiva dos acontecimentos se alterna entre uma câmera observadora tradicional, o ponto de vista do equipamento da jornalista e os planos subjetivos vindos de GoPros dos socorristas sem uma unidade reconhecível.
O mockumentary (aliado aos dois núcleos) busca criar a sensação de que o ambiente é perigoso por excelência, trazendo à tona a ideia de que os mistérios da natureza podem ser intimidadores por serem mais grandiosos do que a existência humana. No entanto, a construção de cenário apela para soluções repetitivas, que insistem nos mesmos recursos para definir a floresta como um espaço que cria obstáculos para um resgate e remete a um mal sobrenatural: cavernas estreitas, tempestades prolongadas, terrenos pantanosos, árvores monstruosas, galhos sinuosos e sombras amedrontadoras (tais elementos naturais parecem criaturas demoníacas que sempre são destacadas apenas com o uso forçado de jump scares, de uma trilha sonora exagerada e de uma mise-em-scène apelativa). Assim, o filme indica uma vontade muito grande de emular “A bruxa de Blair”.
Embora a produção russa referencie um dos found footage mais conhecidos, as semelhanças mal se sustentam. A começar pelos personagens, o terror lançado em 1999 apresentava figuras mais carismáticas com quem o espectador conseguia se envolver e temer pelos seus destinos (algo ajudado pela campanha de marketing que insinua ser realmente uma história verídica). Já na obra mais recente, a encenação perde qualquer efeito de realismo pretendido pelo falso documentário e não se diferencia tanto de um programa de TV sensacionalista interessado em chocar a cada novo momento (há uma quantidade excessiva de fade out, que sugere o fim de um episódio de série). Além disso, o esforço de criar uma carreira internacional para o filme resulta em mais prejuízos para o elenco, afinal a decisão de dublá-los em inglês retira energia das atuações e impacto dos riscos corridos.
Com a progressão da história, as situações dramáticas evocam cada vez mais outros exemplares do subgênero. “A bruxa de Blair” e “[REC]” são os títulos que mais se destacam como inspirações artísticas, apesar de estes dois filmes conseguirem lidar muito melhor com o desenvolvimento narrativo e com a escala crescente das ameaças. Ivan Minin até conduz a trama com breves momentos potencialmente tensos, como a relação de Zoya com a viúva das sombras e as primeiras possessões feitas pelo espírito, porém a construção total custa a alcançar algo minimamente expressivo e opressivo. Geralmente, a narrativa utiliza a maior parte do tempo para preparar o clímax e prometer algo recompensador, através de sequências que adiam a violência, marginalizam a grande vilã e criam desculpas variadas para separar os personagens – ou seja, o percurso escancara seus artifícios ficcionais precários ao invés de construir uma história que assuste ao insinuar ser real.
Quando o clímax chega, “A viúva das sombras” mais uma vez apela para construções que impõem medo e choque de maneiras amadoras: os conflitos entre os personagens com a suspeita apressada sobre um deles, a caracterização paupérrima dos personagens (Christina, por exemplo, é uma figura preparada para apenas sentir pavor a qualquer momento), os destinos mal encenados dos últimos sobreviventes e as reviravoltas carregadas de terror apelativo. Mesmo a mitologia em torno do espírito maligno, acaba gerando resultados contraditórios: a introdução é feita de modo atrapalhado, jogando informações sem tanto cuidado e refinamento; o desenvolvimento se esforça muito para tentar se parecer com “A bruxa de Blair”; e a consolidação daquele universo oferece boas possibilidades a respeito da origem da vilã e dos sacrifícios para tentar contê-la. Essa relação instável com a mitologia enfraquece os méritos que a obra poderia ter e apenas levanta a curiosidade de conhecer a lenda, mas não o filme inspirado nela.
Um resultado de todos os filmes que já viu.