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“A VERDADEIRA DOR” – Os opostos se atraem

Em termos de sentimentos estimulados na plateia, a comédia e o drama são considerados gêneros opostos. Ainda assim, a sua harmonização gera obras esplendorosas, com comédias dramáticas que fazem rir e chorar em muita intensidade. Em A VERDADEIRA DOR, a harmonização pelo contraste funciona bem, porém o mesmo êxito não ocorre com as semelhanças.

Benji e David são primos criados quase como irmãos. Após o falecimento de sua avó, eles se reúnem para uma excursão na Polônia para conhecer o seu país de origem. O que foi idealizado como uma aventura ganha camadas de tensão à medida que a história pregressa dos dois se torna objeto de inevitável recordação.

(© Searchlight Pictures / Divulgação)

Do ponto de vista de gênero, trata-se de uma comédia dramática que tem momentos genuinamente humorísticos, sempre protagonizados por Benji – e o talento cômico de Kieran Culkin funciona muito bem para o humor ora infantil, ora sarcástico, da personagem -, e outros dramáticos, em que Jesse Eisenberg compartilha o protagonismo. O longa é um projeto de grande engajamento de Eisenberg, que, além de coprotagonista, é coprodutor, diretor e roteirista da obra. Enquanto buddy comedy, a interação entre Benji e David é bastante eficiente.

O filme não deixa de ser, ainda, um road movie, na medida em que as personagens viajam por diferentes cidades da Polônia, e visitam diversos monumentos históricos. A composição das cenas é ótima, seja no visual do grupo de turistas – com alguns clichês que, mesmo clichês, são reais (bonés, pochetes etc.) -, seja no cotidiano da viagem, com paradas em locais relevantes, com as precisas explicações do guia turístico. Nessa perspectiva, o espectador acaba conhecendo um pouco da Polônia e seus principais pontos turísticos.

Dentre as diversas maneiras de harmonizar a comédia e o drama, o filme claramente se dá melhor no contraste. As contraposições formam a sua base, a começar por aquela entre as duas personagens principais. Visualmente, Benji costuma usar azul em sua vestimenta, ao passo que o David adota o vermelho, sem olvidar que apenas o primeiro usa barba. Seu perfil também é distinto tanto no aspecto profissional quanto no familiar. Quanto à personalidade, enquanto David está constantemente preocupado (como ao enviar várias mensagens de voz, no prólogo), Benji é um arauto de tranquilidade (como ao passar pelo detector de metais e ao ingressar em áreas onde supostamente não poderia). Além disso, Benji contagia as pessoas que estão ao seu redor (por exemplo, na cena da fotografia), ao passo que David geralmente guarda maior distanciamento.

Com isso, o que o filme faz é uma oposição entre os primos, o que resulta em uma relação ambígua entre eles. Assim, quando Benji afirma que precisa “pescar o cara ótimo” que está “escondido” no corpo de David, ele deixa transparecer o gosto agridoce do relacionamento, reconhecendo uma aparência que não corresponde à essência do primo. Da mesma forma, quando David declara que Benji “ilumina o ambiente” para estragar logo depois, essa fala reflete a sua visão a respeito dele. Mais precisamente, é conspícuo que David sente certa inveja da espontaneidade envolvente de Benji, que ganha a simpatia de todos com facilidade, mas essa inveja se mistura com a culpa que sente pela realidade mais profunda de suas vidas (a que vai além das aparências e se torna progressivamente subentendida no filme) e com o amor fraternal. A ambiguidade mútua dos sentimentos que sentem um pelo outro é uma das maiores virtudes do longa, que, todavia, é superficial na parte dramática.

Em outras palavras, ainda que a interação entre os coprotagonistas gere inegável interesse no público, o drama trazido por Benji, que se torna o cerne desse lado da obra, é muito raso. Quando o roteiro aborda a “verdadeira dor” pela primeira vez, trata-se de um gatilho para a personagem, que, contudo, não é convincente diante de um texto que se revela deveras pobre. O erro não está na atuação de Culkin, que faz um trabalho maravilhoso, mas em um roteiro raso a esse respeito. O backstory de Benji, por sua vez, tem uma carga dramática com potencial, mas que não ultrapassa o que já foi visto inúmeras vezes. Como um todo, fica faltando uma dor verdadeira em “A verdadeira dor”.