“A ÚLTIMA INVOCAÇÃO” – Frankenstein desencontra Ring
É bastante comum buscar referências na história do gênero e na própria filmografia do realizador para produzir uma obra. A ÚLTIMA INVOCAÇÃO tenta beber da fonte da história de “Frankenstein” escrita por Mary Shelley e remeter ao conhecimento do público em relação a “Ring” dirigido pelo diretor Hideo Nakata. Em tese, seriam dois apelos que poderiam contribuir para a experiência do filme não fossem as dificuldades de trabalhar as duas bases fundamentais separadamente e articulá-las dentro de um universo coeso.
Uma família, aparentemente, vive feliz até um acidente fatal vitimar a mãe Miyuki. O pai Naoto e o filho Haruto enfrentam o luto de formas diferentes, sobretudo porque o menino, em negação, enterra um dedo da mãe no jardim e reza todos os dias para que ela volte à vida. Em paralelo, Hiroko, antiga amiga de Naoto, reaparece sendo perseguida por um espírito que tem relação com a ressurreição pretendida por Haruto. Esse encontro faz com que os três personagens sejam assombrados por uma entidade que desencadeia consequências sombrias.
Hideo Nakata estabelece rapidamente a ideia de que “Frankenstein” é uma obra com a qual quer dialogar. No material literário, discute-se o desejo do ser humano de ter poderes divinos e a dubiedade do conceito de monstro a partir da criação de uma criatura com partes de corpos mortos. Fica claro o que se pretende fazer quando pai e filho conversam sobre a capacidade de regeneração de lagartos quando o rabo ou a cabeça são cortados, desde que uma oração especial com as palavras certas seja feita. Alguns problemas surgem daí, sendo o principal deles a antecipação precoce do que o cineasta fará para retratar o retorno de Miyuki como uma versão maligna e oposta ao que se poderia esperar. Além disso, esse núcleo fica logo estagnado porque se repete muitas vezes sem que encontre novas possibilidades dramáticas e estéticas de progressão. Haruto sempre se mostra estranho orando para um monte de terra no jardim e Naoto demonstra grande preocupação pelo sofrimento do menino diante da perda da mãe.
Se os primeiros minutos revelam com rapidez o que será realizado para o retorno da mãe, a narrativa tenta surpreender as expectativas do público desviando abruptamente o foco. O primeiro núcleo não avança, já que um segundo é construído em torno de Hiroko, que trabalhou por um tempo na mesma empresa de Naoto e desenvolveu uma paixão platônica pelo homem. Ela deixou o local de trabalho por medo do que poderia ocorrer por se apaixonar por alguém casado, porém um espírito continua em seu encalço sem que saiba exatamente o porquê. É verdade que Hideo Nakata cria imagens impactantes para um horror que representa as características do cinema japonês contemporâneo desse gênero, que se baseiam, por exemplo, em entidades com rostos macabros cobertos por um longo cabelo negro. Apesar disso, o desenvolvimento sofre com um tom vacilante de humor involuntário que nunca é explorado e rodeia os personagens médiuns procurados por Hiroko para ajudá-la o mal que a persegue e como enfrentá-lo. A composição caricatural das atuações, os efeitos visuais das possessões e a dinâmica factual das cenas não ajuda a sedimentar uma lógica de medo.
Acima de tudo, a trama sobrenatural de espíritos e possessões não tem uma voz própria que agregue à premissa original de trazer de volta à vida um ser morto. Ao invés de referenciar ou trazer contribuições pontuais de “Ring” para seu novo trabalho, o cineasta se apresenta refém de seu filme mais conhecido. A história da jovem Sadako, que foi morta de maneira brutal e retorna como uma entidade vingativa a partir de uma fita com imagens assustadoras, ficou muito famosa também por conta de sua adaptação em Hollywood na franquia “O chamado“. Há elementos visuais e narrativos visíveis naquele universo, como a lenda urbana associada ao ato de assistir ao vídeo, as ligações telefônicas anunciadoras do prazo de sete dias para a morte e as aparições de uma jovem de cabelos negros para a realização da maldição. Em “A última invocação“, quase todos os elementos citados são inseridos sem criatividade, pois Hiroko é também perseguida por ligações misteriosas e por um espírito com as mesmas características físicas. Então, fica a impressão de que o realizador não consegue escapar da cópia de um projeto anterior.
Somado a isso, a estrutura narrativa se esforça sem sucesso para parecer diferente de suas referências temáticas e estilísticas básicas. As variações, no entanto, se tornam somente muletas de roteiro. As ameaças sobrenaturais que assombram Hiroko parecem perdidas em uma trama que apontava para outra direção? Basta adicionar alguns flashbacks para explicar em que contexto o mal se iniciou para a personagem. Mais à frente, a descrição de Miyuki parece exagerada para dar conta da transformação que ela passa quando os dois núcleos são integrados? Basta acrescentar mais alguns flashbacks para esclarecer um passado nebuloso da mulher (inclusive, utilizando eventos muito semelhantes àqueles vistos em “Ring“). Na passagem do segundo para o terceiro ato e no clímax propriamente, o filme começa a se apoiar em uma série de reviravoltas que não são tão surpreendentes como se imaginava ou vinham de dúvidas que os espectadores nem teriam formulado. Então, fica a impressão de que o realizador quer impactar a todo momento com plot twists sobre as trajetórias da mãe e do filho.
O confronto final pode até ser construído com base em algumas passagens interessantes, sobretudo quando as imagens relacionam a estética do cinema de terror japonês e a proposta de “Frankenstein“. Em contrapartida, as referências sempre soam vazias e são apresentadas simplesmente para evidenciar que o diretor as conhece e não tem ideia do que pode fazer com elas em termos dramáticos e estilísticos. É o que acontece, por exemplo, com o conflito central da família que lembra o livro “O cemitério” de Stephen King. Na obra literária, lidar com os desdobramentos aterradores de trazer de volta à vida um ente querido se relaciona com nossa dificuldade de aceitar a morte e a finitude. Em “A última invocação“, não há muita substância para misturar “Ring“, “Frankenstein” e “O cemitério” além daquele desejo convencional de chocar na última cena com a revelação de que o mal ainda não foi superado.
Um resultado de todos os filmes que já viu.