“A TEORIA DOS VIDROS QUEBRADOS” – Inspiração e falta de inspiração
A inspiração que há por trás de A TEORIA DOS VIDROS QUEBRADOS é séria e interessante, o oposto do próprio filme. A produção demonstra que de uma nobre inspiração pode resultar, em termos cinematográficos, uma obra paupérrima.
Claudio Tapia trabalha em uma companhia de seguros como perito. Certo dia, ele é promovido para trabalhar em uma pequena localidade onde o antigo responsável está se aposentando. A partir de então, vários veículos passam a ser incendiados sem motivo aparente. Enquanto sofre pressões por todos os lados, Claudio tenta resolver o mistério.
A inspiração do longa é uma teoria real – a broken windows theory -, desenvolvida no âmbito da criminologia e das ciências sociais, segundo a qual os sinais visíveis de desordem social e criminalidade são capazes de estimular pessoas a aumentar a própria desordem e os índices criminais. A ideia é que uma janela quebrada em um carro poderia encorajar infratores a praticar outros delitos no veículo, como dano (por exemplo, quebrando as demais janelas) ou furto (subtraindo o carro). No caso do filme, incêndios em automóveis funcionam em efeito cascata: a ausência de resposta estatal para o primeiro crime (já que não se sabe o responsável) fomentaria todos os que a ele se seguiram.
Sem dúvida, a construção teórica é capaz de ensejar debates profícuos em mais de uma área do conhecimento, razão pela qual utilizá-la como inspiração para um filme faz sentido. Entretanto, o longa de Diego Fernández Pujol não é em si mesmo inspirado, a começar pelo viés nada intelectual de seu roteiro (coescrito com Rodolfo Santullo), contrapondo-se à teoria e eliminando assim qualquer possibilidade de reflexão. A opção pela comédia não é um erro em si mesmo, até porque o humor pode ser um veículo para a reflexão; o problema aqui é que a teoria é mal empregada dentro de um longa absolutamente oco.
Existem aspectos positivos na obra de Pujol, sobretudo a trilha sonora, com músicas empregadas de modo coeso com a trama, tendo até mesmo algumas canções cuja letra dialoga com a narrativa. Visualmente, a estética do filme funciona bem tanto nos cenários fechados – como o local de trabalho de Claudio, que transmite a sensação de abandono por estar vazio, pela baixa luminosidade e pelo mofo das paredes – quanto nos abertos – as ruas têm pouco tráfego e as edificações que aparecem são pequenas.
Outro elemento virtuoso da produção é o desempenho de Martín Slipak como o protagonista, pois o ator faz de Claudio alguém com quem o espectador facilmente se identifica diante da estranheza de tudo que o cerca. O problema está justamente nessa estranheza, dado que o humor de constrangimento impulsionado pelos coadjuvantes geralmente não é engraçado – exceção feita a Servetto, muito bem interpretado por Roberto More. Aliás, More é o único que parece ter compreendido o exagero que o plot exigia para funcionar, fazendo com que sua personagem seja verdadeiramente engraçada pelo tom abertamente caricatural. As demais não fazem rir ora porque o próprio roteiro é frágil nesse quesito, ora por serem levadas muito a sério por seus intérpretes, algo que apenas Claudio poderia fazer justamente por ser a representação do real na trama.
Além das intervenções de Servetto, o humor do filme eventualmente se faz presente, como na dificuldade dos guardas em reduzir o fogo, porém a comédia é efetiva de maneira apenas episódica e, principalmente, excepcional. O fato de as piadas serem resultantes de recursos pobres (a pose de Claudio para usar videoconferência, o desempenho da banda no bar etc.) enfatiza a pouca habilidade de Fernández para fazer o público rir. O que prevalece é o nonsense, que, ao contrário do que o cineasta parece crer, não é automaticamente engraçado.
Não é à toa que, na maioria dos diálogos, o diretor se limite ao uso de plano-contraplano, um recurso plenamente válido na montagem, mas insuficiente e que mostra o quão limitado é o seu repertório na linguagem cinematográfica. Partindo dessa linha de raciocínio, “A teoria dos vidros quebrados” não é resultado apenas de falta de inspiração (no próprio trabalho), mas de pouca habilidade. É uma pena, pois a sua inspiração (no plano das ideias) é instigante.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.