“A TEIA” – A não confiabilidade e a busca da verdade
Apesar do péssimo título e do péssimo trailer, A TEIA tem um nível de qualidade superior ao que eles indicam. Certamente não se trata de uma obra primorosa, mas é o primeiro filme do diretor, responsável por roteiros de virtudes limitadas. Dessa vez, é possível estabelecer um paralelo com o mundo das ideias platônicos e sua relação com a verdade através das memórias.
Roy Freeman é um ex-detetive de homicídios submetido a um tratamento experimental para Alzheimer, cujo estágio em que se encontra é severo. Quando uma advogada pede a sua ajuda para recuperar informações sobre um antigo caso, envolvendo um homem que está no “corredor da morte” e alega ser inocente, os furos da investigação estimulam a sua busca pelos fatos reais.
Tratando-se de um primeiro trabalho como diretor, Adam Cooper se mostra competente. Adotando sempre o ponto de vista de Roy, primeiro, a trama incrementa o seu mistério, na medida em que as memórias do protagonista não são plenas e as informações dadas pelos coadjuvantes podem não ser fidedignas, e, segundo, a sensação de limitação pela qual ele passa é transmitida para o público. Com isso, Cooper por vezes usa ferramentas como lente grande-angular e plano holandês para traduzir, adequadamente, alucinações, instabilidade ou desconforto. Na cena em que Roy retorna a um velho hábito do qual havia abdicado, por exemplo, o crescimento da música e a aceleração da montagem funcionam bem.
Outro recurso empregado pelo diretor é o uso de closes no protagonista, o que não funcionaria bem se não fosse a boa atuação de Russell Crowe. Roy está em uma condição de saúde muito ruim, carecendo de lembretes básicos como o modo de uso de uma torradeira, o que é transliterado, também, pela caracterização física de Crowe, com a barba branca e a cabeça raspada. À medida que se recorda de seu próprio backstory, percebe um passado nada glorioso, o que demonstra uma vida bastante dramática. Os traumas e as decepções do protagonista são bem incorporados por Crowe, consciente de que o Roy do presente não é o mesmo do passado, mas pode também não ser o mesmo do futuro, quando todas as memórias voltarem, se voltarem.
Diversamente de Crowe, o resto do elenco é, no máximo, medíocre. Márton Csókás faz um papel ao qual está acostumado, de um homem exótico e sugerindo algo perverso. Tommy Flanagan sofre com um papel óbvio, considerando suas falas, mas o torna ainda mais óbvio com a atuação. Harry Greenwood se mostra esforçado em um papel singelo. Certamente o pior desempenho é o de Karen Gillan, que compensa a ausência da maquiagem azul de Nebulosa (personagem de “Guardiões da Galáxia”, franquia na qual seu trabalho é razoável) com overacting, expressões faciais sérias que na realidade são risíveis e uma mudança de sotaque bem desnecessária. Tudo isso pode indicar que Cooper não é bom na condução do elenco, uma vez que a única boa performance é de um ator que não demanda maiores orientações (dada a sua vasta experiência).
O cineasta tem uma carreira mais voltada à roteirização, tendo trabalhado novamente com seu colega Bill Collage (como em “Êxodo: deuses e reis” e “A série Divergente: convergente”), a partir do livro de E. O. Chirovici. A obra original talvez seja mais envolvente; aqui, a previsibilidade é grande, considerando que há uma única solução possível para sair da obviedade e causar surpresa em parcela do público. O texto trabalha com duas tramas: uma, sobre propriedade intelectual, que é relevante, mas subdesenvolvida e demasiado simplificada; outra, sobre memórias, é o fio condutor narrativo. As lembranças permitem à narrativa criar versões não confiáveis do pretérito, inclusive um red herring em forma de (uma estranha) subtrama que ganha tanto espaço que torna evidente a distração. A mudança do ponto de foco, com essa subtrama, causa estranheza, porém a composição visual, abandonando provisoriamente a frieza da fotografia cinzenta da trama principal em favor de cores mais vivas, enriquece o design de produção. O surgimento de elementos da cor verde, por exemplo, são importante símbolo da inveja e do ciúme.
Memórias pessoais e profissionais de Roy são mescladas à medida que ele busca pela verdade através das pistas – relatos, principalmente -, que nem sempre são confiáveis. Tal qual o mundo platônico das ideias, a verdade está no passado, algo inacessível no mundo sensível. O thriller é narrativamente convencional, sua trilha musical é bem clichê e suas metáforas são majoritariamente pedestres (o quebra-cabeça montado por Roy, completamente literal; o corte com faca ou cutelo representando perigo; o espelho como alegoria para o reflexo do real e de si etc.). Porém, seu estímulo à reflexão sobre onde repousa a verdade e sobre o que não é confiável é válido, sobretudo para um primeiro trabalho de direção.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.