“A PEQUENA SUÍÇA” – A caricatura de uma nação
Nacionalismos, laços de identificação coletiva e diferenças culturais sempre serão aspectos ricos e desafiadores para a trajetória da humanidade, assim como constituirão material abundante para a ficção cinematográfica. Considerando-se o cenário contemporâneo europeu, a controvérsia cresce se o olhar for direcionado para a situação do País Basco frente a Espanha. É por essa direção que a proposta de A PEQUENA SUÍÇA segue, apesar de construir uma história ficcional que explora o humor oriundo do estranhamento cultural e abusa do cartunesco e do absurdo.
A trama se passa no fictício povoado de Tellerín, situado no País Basco. Mesmo tendo sido historicamente colonizado pela região de Castela na Espanha, a maioria dos moradores reivindica a anexação da cidade ao País Basco. Uma descoberta inusitada feita por Gorka e Yolanda reorienta os planos dos habitantes: o túmulo do filho de Guilherme Tell é encontrado na cripta da igreja. A partir da comprovação da ligação histórica de Tellerín com a Suíça, eles passam a reivindicar que o local seja convertido em território suíço.
O centro narrativo do roteiro é, de fato, a discussão acerca da identidade nacional do povoado a partir da oposição entre elementos díspares: a identificação com um grupo graças à cultura e as tradições pertencentes a uma nacionalidade e a conquista de interesses pragmáticos, como benefícios fiscais. Esse contraste aparece nas divergências quanto à anexação ao País Basco por ser apenas o local onde os personagens vivem e não de onde vêm seus costumes; mais tarde, na possibilidade de incorporação pela Suíça, surgida somente em decorrência da descoberta acidental do túmulo, que não apresenta qualquer sentido emocional para os cidadãos. Em ambos os casos, há pessoas inconformadas com as opções consideradas inviáveis para sua realidade, como a postura de Revuelta a favor da manutenção do vínculo de Tellerín a Espanha e sua inesperada união com um desafeto para impedir a anexação a Suíça.
Contudo, a abordagem cômica é o que mais chama a atenção na história do nonsense resultante da busca incessante por uma identidade nacional (ainda que o filme jamais aborde o porquê da necessidade de encontrar uma vinculação mais ampla com outro país). A comicidade é bem construída nas sequências iniciais e finais da festa da população diante da oportunidade de concretizar seus planos: na abertura, a mise en scène evoca o absurdo da disposição caricatural de se ligar ao País Basco através da câmera circular em torno do espetáculo preparado, a trilha sonora cômica e a quebra de expectativa diante do fracasso dos planos; no desfecho, existe um paralelismo entre com a primeira sequência ao trazer a mesma mise en scène espetacularizada, a repetição dos eventos desse momento e novamente uma conclusão frustrante para os moradores locais.
Em compensação, a construção dos personagens fracassa em razão da caricatura excessiva em que eles se transformam. De forma geral, todo o elenco está homogeneamente na mesma sintonia cartunesca e de overacting que funciona durante os momentos de crítica aos laços identitários forçados que se pretende estabelecer com a Suíça. Entretanto, esse estilo de atuação não se sustenta quando é necessário apresentar as camadas dos personagens e revelar os conflitos entre eles, sendo os atores colocados em situações infantis que provocam simplesmente caras e bocas dignas de bobos desenhos animados. O quadro apenas piora se houver algum interesse em buscar arcos dramáticos, algo que inexiste em uma galeria de personagens ocos que não tem uma jornada e servem como instrumento para tocar na temática da nacionalidade – o quarteto amoroso formado por Gorka, Yolanda, Nathalie e Fernando é totalmente desinteressante, não acrescenta nada à trama e ainda carece de maior elaboração narrativa, assim como o segredo escondido pelo padre não vai para nenhum lugar relevante.
Enquanto os personagens se mostram um fracasso na tentativa de fazer humor, o arco envolvendo a conversão para a cultura suíça acerta ocasionalmente ao resgatar o absurdo da situação. Os momentos em que os moradores tentam seguir as práticas e costumes suíços conseguem transmitir o quão patético é o esforço em fazer parte daquele país: mudar as vestimentas e as cores, introduzir novos símbolos e adereços, trocar o futebol pelo esqui, aprender a falar alemão, consumir vinho ao invés das bebidas locais, ouvir músicas típicas. A comédia esporadicamente também nasce das consequências dessa predisposição em se aproximar da Suíça, principalmente o choque de Revuelta e Añibarro diante da aceitação dos demais habitantes pelos novos hábitos.
Quando, no terceiro ato, há a resolução do conflito central em relação à identidade nacional, um dos personagens comenta o que poderia ter sido a chave de um bom filme: a contradição daqueles moradores em viverem em uma região do País Basco, apresentarem relações culturais com a Espanha e ainda possuírem uma ligação histórica com a Suíça. No entanto, “A pequena Suíça” prefere ser uma comédia de digestão fácil que simplifica essa discussão e investe em personagens caricaturais e situações supostamente engraçadas que apenas soam infantilizadas.
Um resultado de todos os filmes que já viu.