“A MORTE TE DÁ PARABÉNS” – Uma comédia de terror aceitável
A avaliação de um filme passa, necessariamente, pela compreensão de sua proposta e dos meios utilizados para alcançá-la (ou não). Julgar uma obra a partir de paradigmas que não se enquadram em seu estilo e objetivos desperdiça o potencial do debate e a própria crítica. Tais considerações se relacionam com A MORTE TE DÁ PARABÉNS, comédia de terror sem grandes pretensões artísticas, temáticas e narrativas além do entretenimento simples. Ela nem sequer pretende ser mais do que uma diversão passageira enquanto dura a projeção.
A história acompanha Tree Gelbmann, uma jovem universitária assassinada por uma pessoa mascarada no dia de seu aniversário. Após o crime, ela ressuscita e se vê presa em um ciclo entre a vida e a morte sempre repetindo o dia de seu assassinato. A salvação definitiva depende da solução do mistério e da identidade do assassino. A estrutura do filme é a de um “terrir”: existe uma trama marcada pelo suspense e pela tensão decorrentes das seguidas mortes da protagonista, além de uma atmosfera de perigo pontuada por alguns jump scares; mas também há elementos absurdos no roteiro e recursos visuais irônicos, que mostram como a narrativa não se leva demasiadamente a sério.
Mesmo não fazendo nada muito especial, a direção constrói seu universo próprio com situações e pessoas que se repetem no dia revivido e são facilmente reconhecíveis. Além disso, planos muito tradicionais do terror são construídos (o personagem escondido à espreita nas sombras e um ataque ocorrido de surpresa em meio a uma falsa sensação de segurança), ainda que a tensão desses momentos não seja bem estabelecida. Tais passagens utilizam jump scares, burocraticamente criados dentro das convenções do recurso, ou outras técnicas em que a ameaça é transmitida por movimentos de câmera (tremores que desestabilizam o eixo) e por uma grande profundidade de campo (muitos elementos de cena em foco).
Já o tom humorístico é definido pela montagem, que encadeia uma sequência contínua de mortes inesperadas e heterodoxas capaz de criar um efeito surpresa; as próprias atitudes tomadas por Tree em cada “ressurreição” produzem uma espiral de acontecimentos absurdos e bizarros com essa carga de humor (por exemplo, as tentativas de descobrir a razão dos assassinatos e as variadas reações a cada repetição do dia). A montagem também destaca as alterações emocionais da protagonista, alternando entre a confusão, o desespero, a resignação e a comicidade através do prolongamento ou compressão do ritmo narrativo e das mudanças de lentes – outro aspecto interessante são as transições de cenas, baseadas em alguns raccords que fundem as imagens (a queda da jovem assassinada se transforma na queda de seu corpo na cama prestes a despertar novamente).
A construção da atmosfera específica do filme também depende da atuação de Jessica Rothe como Tree. A atriz é bem-sucedida em transmitir a superficialidade e a personalidade antipática de uma mulher que maltrata as pessoas ao redor e supervaloriza a própria imagem, traços presentes no primeiro ato da narrativa. Compor uma personagem assim é a estratégia para amplificar o conflito e aumentar o número de suspeitos interessados em matar alguém tão desagradável. Em sua performance, a lacuna diz respeito ao timing cômico, por vezes utilizado, mas ainda pouco explorado dentro da proposta caricatural – o roteiro também é responsável pelo aproveitamento insuficiente do humor.
Outros problemas significativos estão presentes no desenvolvimento da obra com escolhas nada eficientes. Existe uma lição de moral de redenção no arco da protagonista extremamente moralista e deslocada do resto do filme, como se fosse obrigatório transformá-la em uma mulher perfeita redimida de qualquer erro na vida. Igualmente vacilante é a construção da trama com as idas e vindas no tempo, que deixa furos percebidos na manipulação dos acontecimentos de acordo com as necessidades do roteiro: incidentes são ligeiramente modificados em uma linha narrativa e as atitudes dos personagens secundários também são alteradas sem uma motivação concreta.
“A morte te dá parabéns” não abraça a paródia do gênero tão fortemente insinuada a princípio. O humor caricatural é tratado com timidez ou até mesmo suspenso, em favor de um terror nada angustiante ou inventivo construído sem identidade própria. Além disso, a opção por um arco dramático de superação e redenção não tem o seu lugar no argumento e acaba enfraquecendo o filme em geral. No fim das contas, seus defeitos não são completamente destrutivos, mas são aspectos que dificultam a diversão escapista desejada. Não se trata de uma obra ruim, apenas algo insuficiente para sua proposta.
Um resultado de todos os filmes que já viu.