“A MALDIÇÃO DA CHORONA” – Uma lenda ganha as telas
La Llorona é uma lenda muito famosa da cultura mexicana que ganhou variações em outros países. As diversas narrativas falam de uma mulher vestida de branco com o véu cobrindo seu rosto, sendo ouvida chorando amargamente em noites de lua cheia; segundo o folclore, ela tenta recuperar incessantemente seus filhos perdidos séculos atrás. Tomando como base essa lenda, A MALDIÇÃO DA CHORONA tenta ser um daqueles títulos do terror que diverte enquanto assusta o espectador, objetivo não atingido plenamente em função de uma série de percalços.
O filme coloca a mulher amaldiçoada na Los Angeles da década de 1970, perseguindo os filhos da assistente social Anna, que cuidava de um caso de proteção aos menores em uma família mexicana. Descobrindo que, em vida, La Llorona afogou seus filhos e depois se suicidou debulhando-se em lágrimas, Anna precisa proteger sua família e impedir que suas crianças sejam levadas para substituir essa perda.
De maneira positiva, a narrativa tem um início rápido e econômico: em pouco tempo é feita a contextualização da vilã no México do século XVII, são mostrados os primeiros ataques no filme sobre uma família mexicana e o avanço da maldição para Anna e seus filhos Chris e Samantha, assim como é explicada a origem de La Llorona a partir de sua grave tragédia. Existe um contraste interessante entre o encadeamento desses momentos e a lenta criação do suspense em algumas sequências que antecedem a aparição da personagem ou simplesmente insinuam sua presença – a montagem estabelece um ritmo cadenciado dos planos, sem pressa para concluir a apreensão.
O diretor Michael Chaves constrói o suspense a partir de planos-sequência ou planos longos sem cortes, da movimentação panorâmica da câmera acompanhando o olhar dos personagens ao redor, da escuridão do cenário que oculta sombras ou vultos e de um ângulo inclinado e fechado nas vítimas, que transmite seu desespero. Apesar de contar com essas boas escolhas visuais, ele comete deslizes de outra natureza na composição das sequências mais assustadoras: os incontáveis jump scares, responsáveis por comprometer a tensão até então criada com o enquadramento de partes do corpo da mulher amaldiçoada ou com suas aparições repentinas vindas de alguma cortina da casa (aproveitando-se da fusão entre o véu e o tecido das cortinas) – o susto cai no velho clichê do aumento abrupto do som e do vilão gritando.
Há, também, outras falhas na utilização de La Llorona para evocar o medo pretendido pela direção e pelo roteiro: os sons diegéticos que sugerem o choro da mulher ao fundo são pouco utilizados e, muitas vezes, são substituídos por simples notas incômodas da trilha sonora; a canção é igualmente pouco usada (apenas nos créditos iniciais e finais), desperdiçando a possibilidade de explorar a melancolia de sua letra e de seu significado; e a caracterização da mulher sob o véu é irregular, acertando nas lágrimas transformadas em sangue que escorrem pelo rosto e falhando na composição da cor da pele e da expressão aterradora (uma preguiçosa repetição daquilo já visto em “A freira“). O que não pode ser considerado um erro são falas ameaçadoras em espanhol da personagem antes de seus ataques, um recurso eficiente para imprimir tensão e deixar suas vítimas atônitas diante do ocorrido.
A partir do segundo ato, entretanto, a agilidade vista anteriormente é quebrada e a narrativa se torna mais arrastada. As sequências passam a ser, basicamente, uma repetição dos ataques e das tentativas de captura das crianças, sempre iniciados e terminados da mesma forma clichê (um ruído estranho à noite que atrai os personagens, a explosão de um jump scare e a fuga desesperada). A situação muda um pouco no terceiro ato, quando a entrada de um curandeiro na história para ajudar a família amplia a escala de tensão e altera, em parte, as sequências de terror. Além do problema do ritmo, alguns furos de roteiro passam a ser percebidos na lógica da antagonista: dias depois do casamento ela ainda usava o vestido para matar seus filhos e se matar? Por que a ameaça representada por ela é, durante muito tempo, apenas segurar o braço sem sequer arrastar sua vítima? Por que, depois dos primeiros assassinatos que comete no filme, ela ainda não se dá por satisfeita (afinal, bastaria capturar duas crianças)?
O desenvolvimento do roteiro ainda desperdiça outros elementos, abordados apressadamente. A cultura mexicana é citada sem sequer ser inserida verdadeiramente na trama (a religiosidade específica, o papel dos curandeiros…); os temas de proteção aos menores de idade contra maus tratos e dos desafios da fé tradicional diante do sobrenatural são meros rascunhos mal trabalhados; as atuações do elenco adulto e infantil são corretas para transmitir o medo e a aflição, porém deixam a desejar no aspecto dramático que jamais apresenta função para o arco envolvendo a morte do pai de Chris e Sam. Ao invés disso, o filme abusa do alívio cômico desnecessário na figura do curandeiro e da tentativa de ligações com o universo “Invocação do mal“. Ao final, “A maldição da Chorona” é superior a produções contemporâneas semelhantes, como “A freira” e “Annabelle“, mas continua sendo um terror razoável que apenas consegue empolgar muito esporadicamente.
Um resultado de todos os filmes que já viu.