“A ESCAVAÇÃO” – O produto de uma escavação
É provável que A ESCAVAÇÃO tenha um fundo incrível de história. O enredo é instigante e foram selecionados artistas competentes para os papéis principais. Se escavar significa aprofundar, e se o material-base é bom, o filme tinha tudo para dar certo. Como tudo na vida, porém, existem escavações malsucedidas.
Basil Brown é um escavador sem formação na área, mas muito estudioso e dedicado. No início da Segunda Guerra, uma viúva, Edith Pretty, o contrata para escavar no seu terreno, na esperança de encontrar um tesouro inestimável. Quando os trabalhos começam, inicia-se também uma disputa pelo que for encontrado, o que se acirra quando Brown efetivamente faz descobertas na área.
Percebe-se que o diretor Simon Stone gosta de trabalhar com proporções, o que tem um sentido simbólico no longa. A casa de Pretty é enorme, agigantando-se ainda mais face à modesta bicicleta com que Brown chega ao local (carregando apenas uma pequena mala com a alça entre o pescoço e o ombro). Para mostrar o tamanho – literal e metafórico – da descoberta de Brown, a câmera sobe uma espécie de morro, exibindo primeiro o céu forte para depois revelar outra imensidão.
O Sol é muitas vezes filmado de frente, enfatizando que é circunstância adversa tanto quanto a chuva. Em tons pastéis e castanhos, a linda fotografia de Mike Eley encanta com planos bucólicos esplendorosos e céus que parecem protetores de tela (de certa forma, o filme é melhor nesse aspecto do que como obra cinematográfica). Com o avanço da narrativa, os aspectos encantadores cansam tanto o público quanto a si mesmos, descuidando de detalhes que mereciam atenção – causa estranheza, por exemplo, que uma equipe que trabalha com terra e lama consiga manter suas roupas tão claras e limpas.
“A escavação” tem o charme britânico que encontra seu público, sobretudo em se tratando de um texto escrito a partir de um livro baseado em fatos. Moira Buffini, todavia, escreve uma narrativa que começa trôpega para se perder por completo depois. O início é lento, mais descritivo do que narrativo, o que seria uma proposta plenamente razoável. O que se segue é imprevisível não em sentido positivo, mas como um defeito grave: surgem novas personagens que caem de paraquedas na trama e, o que é pior, com arcos dramáticos próprios, completamente alheios à proposta e extremamente desinteressantes.
Insossa como de costume, Lily James assume o protagonismo de um arco narrativo sem nexo algum com a escavação, praticamente não se relacionando com as duas personagens principais. Ralph Fiennes é, também como de costume, excelente optando pelo minimalismo porque Brown é um homem sério, discreto e sereno. Há uma harmonia em relação à interpretação de Carey Mulligan, desperdiçada em um papel com pouco brilho como o de Pretty. No caso de Fiennes, o fato de os melhores diálogos estarem com ele é vital para que Brown não seja apagado.
Em três momentos, Brown ultrapassa a qualidade do filme para ser o que a obra tem de melhor. O primeiro ocorre quando conversa com sua esposa, May (Monica Dolan), quando ela o faz recordar o motivo pelo qual exerce a função de escavador. O segundo e mais comovente é com Robert (Archie Barnes), para quem explica a falibilidade humana. No terceiro, Brown se debruça sobre o tema da película, consistente na historicidade inerente à humanidade. Na sua ótica, existe um elo de continuidade entre pessoas, povos e gerações, algo que apenas a História, com suas descobertas, é capaz de fazer com que as pessoas lembrem.
De fato, a continuidade existe na civilização humana. Trata-se de uma característica marcante na humanidade e no que ela faz, não existindo, na prática, geração espontânea. Ironicamente, “A escavação” contradiz essa ideia ao, inoportuna e inexplicavelmente, inserir personagens ao plot principal, com subtramas próprias, quando tudo já está estabelecido. É uma mudança de rumo que quebra justamente a continuidade, tornando as novas personagens nada dignas de interesse.
Quem é apresentado a Brown e Pretty quer saber o que vão fazer com o produto da escavação, não do drama de Rory Lomax (Johnny Flynn), por exemplo. É com ele que aumenta a preocupação com a Guerra, antes esboçada com distância, nos aviões que transitam no espaço aéreo do terreno de Pretty. Entretanto, o subtexto bélico não agrega à trama, que é mais atrelada ao solo do presente diegético do que ao ar do pretérito real (e diegético) da Segunda Guerra. Quanto mais Brown escava, mais “A escavação” se distancia de seu objeto. Se na história o resultado não é nada vazio, no filme o mesmo não pode ser dito.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.