“GRANIZO” – Nem ri, nem chorei
Um raio cai no lugar errado e o título GRANIZO surge na tela. Uma trágica morte pode deixar qualquer um sem chão, assim um sujeito em busca de uma fuga acaba por encontrar seu raison d’être, um termo francês para “razão de ser” no seu trabalho. Mas enquanto busca o riso, as subtramas distraem o espectador do único elemento que realmente parece interessante no filme, a relação com a filha que o protagonista deixou para trás.
A história acompanha Miguel Fontes, um meteorologista famoso por nunca errar uma única previsão do tempo. Sua vida entra em xeque quando uma chuva de granizo acontece logo após a estreia de seu novo programa em rede nacional, onde ele havia garantido uma noite tranquila.
No início do longa podemos acompanhar a rotina diária de Miguel Fontes, adorado por cada um daqueles com quem se encontra ao sair de casa em direção à rede de TV onde apresentará seu programa. Quase todos com quem se encontra parecem adorá-lo, desde uma funcionária que limpa a área externa de seu condomínio, seus vizinhos e até estranhos passando na rua. Seu alcance, porém, parece ser limitado ao mais velhos, já que os jovens não acompanham o tipo de programa que o protagonista produz. Mais do que isso, no geral parece haver uma parte da sociedade que não acha mais necessária a profissão de meteorologista, já que os celulares de hoje têm aplicativos que permitem a observação do clima. Interpretado lindamente por Guillermo Francella, também conhecido por seu papel no brilhante filme “El Clan”, Miguel defende firmemente a importância de sua profissão e como foi e é necessário muito estudo para poder fazer suas previsões. Dito isso, Miguel acaba por sofrer um cancelamento pela internet e por quase todos a sua volta quando uma previsão sua sai errado e várias pessoas acabam sofrendo por terem confiado nele.
A partir desse momento vemos Miguel em um segundo dia, revendo quase todos aqueles que tinha visto no dia anterior, em uma sequência cômica em que colocam a culpa de suas mazelas no “falso profeta”. Nesse ponto fica óbvio que a narrativa do filme quer levantar um comentário sobre como a cultura do cancelamento é nociva e parece estar sempre à espreita de um único deslize para destruir até mesmo aquele com quem sempre contaram e que nunca falhou. O tom dado pela direção de Marcos Carnevale é até cômico, mas não mergulha de vez nas caricaturas criadas para expressar a forma absurda como um ícone pode virar pária, se tornando apenas desinteressante e insignificante para o espectador.
Dados os ataques que o personagem sofre e por conselho do próprio chefe, Miguel busca se afastar de Buenos Aires e volta para o interior, na casa em que vivia com sua mulher e filha, esta que ainda está lá e tem o desejo de vender a casa para romper de vez com o passado. É nessa segunda fuga, desta vez do trabalho, que Miguel passa a encarar aquilo que deixou para trás, sua filha Carla. A relação dos dois é fria, como a própria personagem diz, para ela seu pai é só um estranho, há diversos momentos em que os dois entre tentativas de diálogo e discussões expressam a frustração pela tragédia que ocorreu no passado. São realmente os melhores momentos do filme, mas é só isso.
O longa que parecia se tratar de uma jornada para o protagonista ressignificar a razão de viver do personagem coloca em sua vida um deus ex machina que rapidamente é usado pelo protagonista para colocá-lo em evidência na mídia e uma situação trágica acaba servindo de escada para Miguel recuperar seu status. O roteiro de Nicolás Giacobone não só apela para o recurso de forma pífia, como também faz uma execução ainda pior, a importância de todo o esforço de personagem em sua paixão pela meteorologia de nada importa quando esse elemento literalmente divino exerce essa interrupção para colocar sua vida nos eixos. No fim essa comédia dramática não nos faz rir e renega seus dramas.
Sempre teimando em colocar em palavras, tudo aquilo que só é possível sentir.