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“ANIMAIS FANTÁSTICOS: OS SEGREDOS DE DUMBLEDORE” – Algo muito errado

Pouco envolvente, ainda que ANIMAIS FANTÁSTICOS: OS SEGREDOS DE DUMBLEDORE seja melhor que seu antecessor, “Os crimes de Grindelwald” (clique aqui para ler a nossa crítica), acaba padecendo do mesmo mal. Falta personalidade ao derivado da franquia Harry Potter, que erra em tudo o que sua origem acertou.

Incapaz de deter Grindelwald sozinho, Alvo Dumbledore chama o magizoologista Newt Scamander para reunir um grupo capaz de enfrentá-lo. O vilão angaria a cada dia mais seguidores, o que torna crescentes os perigos a serem enfrentados pelas bruxas e bruxos (e um padeiro) liderados por Newt. Mesmo correndo riscos pessoais, as orientações de Dumbledore podem fazer toda a diferença na batalha.

(© WARNER BROS. / Divulgação)

Com o emaranhado confuso e nada emocionante dos dois primeiros filmes, J. K. Rowling comprovou que não é uma boa roteirista. Steve Kloves, que já conhece a obra original por ter trabalhado em todos os roteiros da franquia Harry Potter, é um reforço de peso para o script do terceiro capítulo de “Animais fantásticos”. Sem muitos caminhos potenciais a serem trilhados, o roteiro se preocupa em fornecer algumas explicações e revelações, o que dá alguma robustez à trama. Existem lacunas – por que o animal voador tira Newt de onde está? – e o desfecho é questionável – inclusive enfraquecendo o (inicialmente intransponível) obstáculo que impede Dumbledore de enfrentar Grindelwald -, mas alguns arcos são fechados satisfatoriamente – em especial, o relativo a Credence (Ezra Miller, em sua atuação mais introspectiva, quiçá a melhor, até aqui).

A solução encontrada pelo texto é remanejar as personagens. Além de Credence, alguns papéis são reduzidos. É o caso de Queenie (Alison Sudol, uma das melhores do elenco ao transmitir sentimentos reprimidos), Jacob (Dan Fogler, mais sóbrio ao invés de limitado a um humor sem muita graça) e Tina (Katherine Waterston, praticamente sem relevância). Por outro lado, há personagens que ganham maior espaço. É o caso de Lally Hicks (Jessica Williams, provavelmente a melhor do elenco) tem uma entrada impactante e participa de uma das melhores cenas de ação (a do jantar) e do próprio Newt (Eddie Redmayne, o mesmo de antes), que assume o protagonismo com maior altivez. Há ainda personagens que pouco se justificam: Teseu (Callum Turner) tem pouquíssima relevância, além da numérica (mais um soldado de Dumbledore) e de causar uma sequência longa que estufa o filme; Yusuf (William Nadylam) é pensado para surpreender, o que na prática não ocorre.

É positivo que Grindelwald e Dumbledore sejam antagonizados. Seus dois intérpretes – respectivamente, Mads Mikkelsen e Jude Law – estão bem, mas o segundo tem a vantagem de dificultar comparações. Grindelwald pode ser comparado com Voldemort, que era muito mais aterrorizador, ao passo que Dumbledore é um pouco mais vulnerável que sua outra versão por ser mais jovem (o que justifica sua maior vulnerabilidade). O roteiro traz revelações sobre ambos, porém se furta de mostrar seu backstory, limitando-se a relatos genéricos. É um acerto que o vilão tenha adquirido pessoalidade em sua causa (já que é o ódio por Harry que torna o Voldemort mais assustador) e também é acertado humanizar o herói. Entretanto, seria melhor, por exemplo, um flashback mostrando os dois no pretérito a que se referem.

Confortável com o mundo bruxo, David Yates continua no tom visualmente sombrio do segundo capítulo desta franquia (algo já começado na franquia anterior), sem abandonar, todavia, as infantilidades que alargam o orçamento da produção. Os animais fantásticos não podem ser assustadores (ao menos não todos e não plenamente), precisam ter algum carisma (como Pick e Teddy) e ter seus momentos de humor para cativar a plateia infantil, ampliando o público (e, por via de consequência, o orçamento). Quando não é possível encantar as crianças com uma aparência amigável, o longa abraça o humor mais idiota possível para arrancar risos dos infantes (a cena em Erkstag, por exemplo). De certo modo, a estética escurecida do design de produção é pouco coerente com o conteúdo infantil que prevalece na obra.

Esse conteúdo pueril se reflete em especial no subtexto da película. O filme se preocupa com frases de efeito (“faça o que é certo, não o que é fácil”) e lições morais típicas dos contos infantis, o que não seria tão problemático se não fosse a timidez do seu lado político. A política é o que cria o esqueleto narrativo, todavia há uma clara preocupação em aludir ao passado (ao nazismo, em especial, com referências visuais nas bandeiras, no símbolo e, claro, no local em que algumas cenas se passam) sem assumir o risco de se tornar controverso com paralelos no presente. O que resta são cenas de duelo (algumas no melhor estilo western) muito boas e retorno ao mundo mágico de Harry Potter (pessoas, músicas, locais etc.). Isso apenas confirma a dificuldade de o mundo mágico dos Animais Fantásticos conseguir se estabelecer autonomamente, de causar emoção em razão de suas próprias personagens ou do desenvolvimento de sua trama. Há certamente algo muito errado quando o plano mais envolvente – o único capaz de arrancar suspiros da plateia – das quase duas horas e meia de filme é um plano aéreo de Hogwarts em que toca a Leitmotiv de HP.

Em tempo: Maria Fernanda Cândido está no filme, mas sua participação é minúscula.