“PÂNICO 4” (2011) – Capacidade de reinvenção
* Clique aqui para ler a nossa crítica de “Pânico 3” (2000).
** Clique aqui para ler a nossa crítica de “Pânico 2” (1997).
*** Clique aqui para ler a nossa crítica de “Pânico” (1996).
Há uma diferença de onze anos entre o lançamento de “Pânico 3” e de sua continuação. É um tempo suficiente para se acreditar que a criação de Wes Craven e Kevin Williamson seria uma trilogia e observar novos estilos ou abordagens para o terror. Ao longo desse período, a percepção mais generalizada poderia ser a de que mais um filme no universo de Ghostface, Sidney Prescott, Gale Weathers e Dwight Riley não caberia. Porém, o tempo também produz equívocos, surpresas e transformações. Nessa linha, PÂNICO 4 se coloca como uma demonstração da criatividade de seu diretor e roteirista em unir o ontem e o hoje naqueles idos de 2011.
Woodsboro volta a ser o palco da história. Na cidade, adolescentes fãs de filmes de terror espetacularizam o massacre do passado a cada efeméride e assistem aos filmes “A punhalada”. Quando Sidney volta ao local para lançar seu livro sobre as experiências de sua vida, uma nova série de assassinatos começa. Ao lado de Dwight, agora xerife, e Gale, escritora de romances ficcionais, os três precisarão interromper o ciclo de mortes reaberto pelo assassino Ghostface. Entretanto, imaginar que os crimes seguem as mesmas regras dos anteriores pode ser um grande erro.
Em toda a franquia, existe pelo menos um momento que sintetiza o princípio geral de cada produção. Dessa vez, a reunião em um cineclube serve de símbolo para as ideias de Wes Craven e Kevin Williamson de uma nova narrativa metalinguística: Charlie e Robbie se comportam como Randy dos filmes anteriores e explicam que um remake trabalham com regras distintas do original, como a disposição de atualizar os eventos, aumentar a brutalidade das mortes e reformular os suspeitos e as vítimas em potencial. De acordo com a cena, poucos elementos podem ser antecipados porque o objetivo seria subverter a expectativa do público. A atualização não faz parte apenas dos fatos em torno dos assassinatos, já que o cineasta e o roteirista fazem do seu projeto uma mistura de remake, reboot e continuação – os assassinatos parecem refazer aqueles ocorridos anos atrás e, ao mesmo tempo, mudam aspectos de suas encenações, enquanto os arcos dos personagens e o universo factual avançam cronologicamente.
Algumas sequências exemplificam como a narrativa se transforma sem abrir mão de traços clássicos do mundo diegético. Na abertura, a metalinguagem é levada para outro nível ao fazer referência ao gênero como um todo (aborda “Jogos Mortais 4“, o torture porn, a falta de desenvolvimento de personagens como problema de filmes de terror e as armadilhas de continuações caça-níqueis), trazer para o centro dramático a ideia de um filme dentro do filme (utiliza mais uma continuação de “A punhalada” para isso) e brinca com as convenções da franquia (iniciar as cenas de assassinato com ligação telefônica do assassino). Além disso, Wes Craven equilibra características marcantes, como o telefonema ameaçador, a voz distorcida e as mortes facadas, com reinvenções da mise-en-scène ou do roteiro, como os usos de dois telefonemas em casas distintas durante um assassinato e a quebra de expectativas sucessivas no ataque a dois policiais. E como Charlie e Robbie disseram, o filme investe em mortes mais sangrentas para dialogar com a escala mais ampla que “remakes” costumam fazer para se diferenciar dos antecessores.
Não deixa de ser curioso que Wes Craven transite entre insinuações de uma refilmagem e a realização de uma sequência, pois ele, de modo consciente, reformula e reafirma seu próprio universo criativo e não de terceiros. Essa flexibilidade encontra outra possibilidade expressiva ao situar a trama dentro das características sociais e culturais de 2011, em especial a penetração cada vez maior da internet e de aparelhos eletrônicos até então modernos. É assim que Dwight se surpreende com o fato de várias informações das investigações terem vazado na internet, os jovens se comunicam prioritariamente com o envio de mensagens pelos celulares, o uso dessa ferramenta de troca de mensagens pelo assassino e a produção de vídeos em tempo real por Charlie e Robbie para alimentar um blog. Mais à frente, a questão do mundo digital se torna ainda mais explícita no desenvolvimento dos crimes e das motivações por trás daquelas mortes.
O aproveitamento do cenário sociocultural dos anos 2010 ganha força na sequência transcorrida na exibição da maratona “A punhalada“. Inicialmente, a narrativa aborda o frenesi de cinéfilos que se reúnem para assistir às obras que tanto gostam (chegam a reproduzir as falas), que se combina ao prazer mórbido de indivíduos que espetacularizam uma história baseada em crimes reais novamente em curso. Além disso, a perspectiva de que o novo assassino pode se distinguir dos demais através da filmagem das mortes é explorada de forma significativa na contraposição das câmeras e das telas posicionadas na fazenda onde acontece a maratona cinematográfica. No centro do local, está a tela de exibição dos filmes, já em cantos escondidos, estão as câmeras de Gale para tentar registrar o assassino e a webcam do próprio serial killer para documentar seus crimes. Ao invés dos equipamentos serem tratados isoladamente, as imagens de cada um deles são interligadas e interferem umas nas outras por aproximação, afastamento ou outros paralelismos.
Como não poderia ser diferente, os três personagens centrais estão de volta em arcos que seguiram rumos coerentes desde a última aparição. Sidney retorna à cidade natal para promover um livro no qual relata suas experiências tentando não se ver como uma vítima passiva e sente o peso das acusações de ser um “anjo da morte” que traz os assassinatos novamente para o lugar. Gale e Dwight estão casados e como novas responsabilidades/trabalhos, mas continuam se desentendendo por conta de brigas quanto ao papel de cada um nas investigações. Se Neve Campbell é uma peça decisiva para dar componentes dramáticos à protagonista e a Woodsboro (praticamente uma personagem à parte devido à efeméride dos assassinatos), David Arquette e Courteney Cox desenvolvem cada vez mais a química de seus personagens para fazer os espectadores se preocuparem com eles. Enquanto os três são elementos recorrentes de toda a franquia, o restante do elenco, composto principalmente pelos jovens Jill, Kirby, Charlie, Robbie, Olivia e Trevor, trabalha simultaneamente com as imagens dos personagens do primeiro filme e com novas dinâmicas.
São justamente os novos personagens e a inserção da questão da virtualidade no mundo contemporâneo que fazem “Pânico 4” justificar o retorno desse universo onze anos depois. Jill é a prima de Sidney e o ambiente familiar dos Prescott interfere diretamente na dramaturgia e no princípio estilístico da narrativa. Além do círculo mais íntimo da protagonista, os temas relativos à fama e à midiatização em tempos tecnológicos garantem a reviravolta mais inesperada da franquia. Nos últimos planos, Wes Craven e Kevin Williamson criam uma contraponto poderosamente atual entre as declarações da imprensa e a última morte da trama. Trata-se, então, de um desfecho que cave muito bem para uma narrativa que comprova a reinvenção da dupla criativa e do universo diegético, sabendo se comunicar com o presente sem desconsiderar o passado.
Um resultado de todos os filmes que já viu.