“PÂNICO 2” (1997) – Entre retomar e avançar um universo
* Clique aqui para ler a nossa crítica de “Pânico” (1996).
Um casal de estudantes universitários vai ao cinema. Na fila para comprar ingressos, eles discutem entre assistir ao novo filme de Sandra Bullock ou ao lançamento do terror do momento. A segunda opção vence e os dois compram ingressos para ver “A punhalada”. A produção foi baseada no livro “Os assassinato de Woodsboro” de Gale Weathers. Ao longo da sessão, os espectadores vão ao delírio com a espetacularização dos crimes de Ghostface. O delírio é tão grande que nem percebe, que assassinatos reais podem voltar a acontecer. Esse é o mote de PÂNICO 2, sequência do sucesso do longa-metragem de 1996 que traz para si o tema das continuações no cinema.
Dois anos se passaram desde os múltiplos assassinatos de Woodsboro. Sidney tenta refazer sua vida em outra cidade e na Windsor University, apesar de ver constantemente no noticiário reportagens sobre a saída da prisão de Cotton Weary, inocentado pelo homicídio de Maureen Prescott. A mudança de ares não sai como o esperado, quando uma nova onda de assassinatos brutais começa em torno da jovem. Os esforços para descobrir o novo psicopata mascarado fazem Dwight Riley e Gale Weathers se reencontrarem após um tempo separados.
Na sequência inicial, Wes Craven trabalha o plot da produção em três níveis. Ele expande o universo diegético ao conceber “A punhalada” como um filme dentro do filme, sendo a encenação dos acontecimentos de “Pânico” exibida nos cinemas dentro daquele mundo e desperta grande furor na plateia. Ao mesmo tempo, a metalinguagem é reforçada ao alterar ligeiramente os eventos (explorar uma nudez que não havia anteriormente) e tornar a sessão um espetáculo midiático com a distribuição de brindes pelo estúdio, o comportamento do público imitando Ghostface e a desatenção com um crime cometido no local (algo construído pelo diretor a partir do contraponto entre o plano enquadrando uma vítima e a imagem de fundo da tela do cinema com a projeção). Além disso, o realizador incorpora na narrativa uma crítica pertinente ao primeiro filme e a coloca em um diálogo entre dois personagens negros, que aborda a tendência de muitas produções de terror de representarem de forma problemática os negros – ainda assim, escolhe manter o problemático clichê dos negros como as primeiras vítimas de um serial killer.
Geralmente, as continuações no cinema precisam lidar com alguns questionamentos da crítica e dos espectadores: sua existência é realmente necessária? Será uma repetição do que já se viu? Terá uma nova abordagem? Tais questões também podem aparecer sob a forma de um cenário imaginário no qual o público se pergunta por quê certo personagem não agiu de outra maneira ou se determinada situação não poderia ter outra solução. Então, o que poderia ser chamado de problema na obra de 1996 é inserido aqui como um comentário cômico, metalinguístico ou consciente do clichê. No roteiro de Kevin Williamson, a estratégia de colocar um identificador de chamadas no telefone que se poderia sugerir é feita por Sidney para evitar os trotes de pessoas se passando pelo assassino; a dúvida quanto ao motivo de o cameraman de Gale continuar em um emprego arriscado é retirada quando seu novo assistente deixa o posto para se proteger; e a incoerência de voltar para uma ocasião de perigo ao invés de ir embora é resolvida aceitando o clichê (Sidney volta para atender uma ligação misteriosa) ou criando um desfecho inesperado (Sidney e a amiga são atacadas pelo serial killer enquanto estavam em um carro).
Existem outros aspectos que circundam a decisão de continuar a trama original e são absorvidos pela narrativa. O primeiro deles envolve as teorias de que a violência no cinema poderia influenciar comportamentos violentos na vida real e o segundo inclui as desconfianças de que as sequências sempre estão abaixo do primeiro filme. Os dois temas são abordados na cena em que uma turma no curso de cinema debate sobre a possibilidade de os novos crimes terem sido provocados por culpa de “A punhalada” e de alguns títulos específicos serem continuações superiores aos antecessores, como “Aliens: O resgate“, “O exterminador do futuro 2“, “A casa do espanto 2” e “O poderoso chefão 2“. Nesse momento, Wes Craven e Kevin Williamson tornam algumas discussões que foram levantadas à época da estreia de “Pânico” e “Pânico 2” pertencentes à diegese, notadamente as consequências da violência de Ghostface e a necessidade de fazer mais um filme se o primeiro já havia sido concluído tão bem. É curioso pensar que nessa cena em questão, a conservação e a renovação estão presentes no elenco composto por Jamie Kennedy, novamente como Randy, e pelas adições de Sarah Michelle Gellar, Jerry O’Connell, Elise Neal e Timothy Olyphant, respectivamente como Casey, Derek, Hallie e Mickey.
A nova narrativa define como unidade estilística a tensão entre a manutenção dos traços do primeiro filme e a transformação da abordagem na sequência. É uma ideia que também atravessa os arcos dramáticos dos principais personagens. Sidney tenta recomeçar sua vida pensando em um futuro melhor, mas enfrenta os percalços de tragédias que retornam (além de um novo assassino em seu encalço, a presença de Cotton Weary que desencadeia novamente alguns pensamentos sobre sua mãe) e deve encontrar uma forma de lutar pela sua sobrevivência sem fugir. Já Gale e Dwight avançam um pouco mais na paixão que sentem um pelo outro, embora ainda tenham um passado difícil para enfrentar que insiste em voltar, sendo a ambição ilimitada que faz a repórter colocar seus interesses pessoais acima de tudo e a insatisfação do policial que ainda convive com a imagem de bobo e inexperiente que o persegue por conta do que foi escrito por Gale em seu livro sobre os crimes de Woodsboro.
Outro modo de desenvolver a dualidade da narrativa é a construção expressiva das cenas de suspense como os ataques do vilão. Como Randy explica para Dwight em uma conversa sobre as continuações no cinema de terror e a possibilidade de os crimes serem fruto de um imitador, as sequências costumam ter mais mortes e serem mais elaboradas com uma dose maior de gore. Seguindo essa tendência, o diretor e o roteirista constroem mais momentos violentos, a princípio como na produção anterior, sendo guiados pela ligação telefônica com distorção de voz e pelo ataque surpresa de um mascarado com uma faca. Porém, o padrão não é rígido e o número de mortes realmente aumenta enquanto elas ocorrem de maneiras diferentes – não são elaborações fantasiosas como em outros slashers daquele período, mas capazes de se diferenciarem do que foi visto até então, como os ataques à sala de vídeo na universidade, a de dois policiais em um carro e a de um jovem na entrada da universidade.
Conforme a investigação avança, novos crimes acontecem e o cerco se fecha sobre Sidney, “Pânico 2” desenvolve mais explicitamente a questão da dualidade entre conservar o mesmo estilo do primeiro filme ou promover mudanças na continuação. Na essência dos assassinatos da vez, está colocado o dilema entre imitar o vilão original ou buscar a própria originalidade, algo que transborda para a narrativa. Não querendo escolher apenas um dos lados, Wes Craven opera sempre no limiar entre as duas dimensões e trabalha explicitamente essa variação no texto e na concepção visual. A partir de uma abordagem assim, a sequência transita entre o diálogo com a recepção do público, a autorreferência ao próprio universo e a abertura para novas ideias.
Um resultado de todos os filmes que já viu.