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“THOR: RAGNAROK” – Não encerra bem a trilogia

Embora a “subfranquia” Thor seja encarada por alguns como a pior do Universo Cinematográfico Marvel (essa sim franquia), essa avaliação é um pouco injusta. O primeiro filme tem uma direção boa (como reprovar Kenneth Branagh!?), enquanto o segundo tem um roteiro que avança bastante no arco dramático do herói (em especial nas suas relações interpessoais). Nesse sentido, THOR: RAGNAROK talvez seja o pior da trilogia. Em termos de roteiro, há um visível retrocesso.

Em “Thor 3“, o herói se encontra preso em um planeta desconhecido, sem sem Mjolnir, obrigado a enfrentar um torneio de gladiadores onde o campeão é um colega Vingador, o Hulk. Enquanto isso, a implacável vilã Hela inicia uma empreitada para concretizar o Ragnarok, ou seja, o apocalipse de Asgard. Ou seja: Thor está em um planeta distante, sem seu martelo, enquanto Asgard está em risco. Sim, o plot é estruturalmente idêntico ao do primeiro filme, o que revela, já de início, a completa falta de criatividade dos roteiristas. Outro equívoco do texto é deixar o espectador perdido, já que os fatos são jogados, em benefício da ação: o protagonista é lançado de um lugar a outro (desde o prólogo) sem muita justificativa, pois o importante é o desenrolar da narrativa, não sua contextualização. Nesse sentido, o prólogo existe apenas por razões de didática, já que a batalha é extremamente fácil e, a despeito do início praticamente descontextualizado, o intuito é que seu conteúdo – esse sim explicado – seja relevante.

Ainda no prólogo, há uma simulação da quebra da quarta parede (parece que ocorre, mas não ocorre), raríssimo momento que a direção de Taika Waititi se mostra inventiva. O diretor é competente, todavia não consegue ser criativo. Como ocorre no primeiro filme, existe aquele momento que cria um pretexto qualquer para colocar o deus do trovão sem camisa (o próprio ator já revelou publicamente que se sente desconfortável pelo abuso do seu corpo, porém a indústria cinematográfica continua tratando-o como um objeto, razão pela qual ele ainda precisa exibir a boa forma). A novidade é uma cena de nudez de Hulk (nádegas de cor verde), o que surpreende, em se tratando de um produto que pensa em seu público infantil.

Waititi faz um festival de CGI e de cores vibrantes, talvez seja este o filme do UCM que usa a maior variedade de cores vivas. Isso até é coerente com o roteiro alegre e repleto de piadas, porém, incoerente com a premissa apocalíptica. Como pode haver alegria no Ragnarok? Não faz sentido que Thor esteja tão “engraçadinho” e empolgado enquanto seu povo está prestes a ser dizimado por uma ditadora cruel. Ainda que se considere a preferência da Marvel por filmes de tom leve, priorizando o humor e a ação, o ótimo “Capitão América: O Soldado Invernal” serve como prova de que também é possível fazer bons filmes sérios – ressalte-se que “sério” não é sinônimo de “dramático”. Em síntese, o Ragnarok deveria preocupar Thor, o excesso de piadas é contraditório. Trata-se de um problema quantitativo, mas também qualitativo: existe uma diferença entre dar comicidade às produções e infantilizar os filmes. Dessa vez, a infantilidade das piadas atinge níveis estratosféricos, normalmente com um humor que, para adultos, não tem graça (talvez funcione para as crianças). A conversa de Thor girando em uma corrente e ficando de costas para um vilão, ou um trocadilho de uma personagem a respeito da relação entre seu corpo e o “jokenpô“, por exemplo, são momentos sem a mínima graça. Para combinar, a música-tema também soa infantil.

Não é só de erros, porém, que o roteiro vive. A despeito de um primeiro ato acelerado em demasia, querendo levar Thor ao planeta onde está Hulk o quanto antes, o senso de heroísmo do deus do trovão é a referência para o gênero, fazendo todo o sentido em se tratando de um nome clássico. Não poderia ser diferente com ele, assim como, por exemplo, com o Capitão América. É nesse mesmo raciocínio que o texto passa uma certeira mensagem de enfrentamento dos problemas, censurando a opção de fugir das dificuldades, o que é retratado no embate entre Thor e a Valquíria. Há que se reconhecer, igualmente, a coragem do longa ao desconstruir algumas personagens: Odin é humanizado e Thor é repaginado (inclusive no visual). Porém, é uma pena que a lenda viva Anthony Hopkins seja desperdiçada com tão pouco tempo em tela. Aliás, desperdício de elenco é o que mais ocorre na película. Por exemplo, a participação de Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) é um flashMark Ruffalo também aparece pouco como Bruce Banner, não parecendo confortável com a versão humorística do gigante esmeralda (que é bem mais participativo). A rigor, Hulk é puro fan service, pois, do ponto de vista narrativo, ele é completamente desnecessário (embora a referência aos gladiadores romanos seja interessante). Jeff Goldblum interpreta um Grão-Mestre na base do overacting, o que é excepcionalmente aceitável em razão da atmosfera louca em que se encontra. Tessa Thompson acerta na profundidade do papel, que tem conflitos internos, bem como Karl Urban, que também consegue expor um sofrimento calado.

Chris Hemsworth não é um primor de atuação, mas serve para o papel. Cate Blanchett pode até se divertir como Hela, mas é uma antagonista superficial e genérica. Mesmo com um descalabro de roteiro, a atriz é tão extraordinária que consegue encantar – uma ordem para Thor e Loki se ajoelharem não soaria da mesma forma se fosse outra atriz. A maquiagem e os efeitos visuais que a rodeiam são estonteantes, seus poderes, impressionantes. Ainda assim, falta profundidade à vilã, o que reverbera no potencial de uma atriz tão gabaritada. Mais uma vez, Loki é o que há de melhor na subfranquia, não apenas pelo charme existente na ambiguidade da personagem (que é sempre fascinante), mas porque Tom Hiddleston encarna o papel como ninguém mais conseguiria. Dessa vez, o deus da trapaça não tem aquele ar de superioridade, mas sua dubiedade moral é inafastável, o que justifica seus atos controversos. O irmão (adotado, como ele insiste em ressaltar) de Thor nunca é confiável, parece estar sempre à espera de uma oportunidade para fazer o mal – o que não o impede, contudo, de praticar bons atos.

Não, “Thor: Ragnarok” não encerra bem a trilogia, não ficará marcado como um dos melhores do UCM e não alavancará a carreira de Taika Waititi. É um desperdício de elenco e de tempo do espectador adulto. Para os infantes, talvez seja uma opção válida.


P.S.: o 3D é dispensável. Há uma cena em que Thor fica em uma cadeira preso, parecendo ter alucinações, é uma oportunidade em que a tecnologia poderia ser bem utilizada. Não é o caso.
P.S.2: a segunda cena pós-créditos é uma das piores (se não a pior) do UCM até hoje.