“CAÇA-FANTASMAS: MAIS ALÉM” – A corda puxada com força
A originalidade é como uma corda que filmes como CAÇA-FANTASMAS: MAIS ALÉM puxam, com a força da nostalgia, até arrebentá-la. O elemento nostálgico está em “Os caça-fantasmas”, de 1984 (clique aqui para ler a nossa crítica); o elemento original, por outro lado, talvez seja mais difícil de detectar.
Em dificuldades financeiras, Callie se muda com seus filhos, Trevor e Phoebe, para a casa que era do seu pai, recentemente falecido. No local, descobrem uma conexão com os Caça-Fantasmas (os originais, de 1984), mas também com fantasmas perigosos que ameaçam a humanidade.
A força da nostalgia é vigorosíssima. Há uma assumida continuidade diegética, inclusive com uma explicação dos acontecimentos no intervalo entre 1984 (ou 1989, se considerado o segundo filme) e 2021. A mitologia suméria retorna (Gozer, Porteiro, Guardião etc.), agora com um pouco mais de verticalidade (fica um pouco além da simples menção, como no primeiro filme). Aparecem cenas do longa de 84, inclusive o comportamento escalafobético dos humanos possuídos (aquela sedução bizarra e a respiração ofegante, por exemplo). Nos diálogos também há referências diretas, como quando Phoebe é questionada sobre quem vai chamar (e a resposta é uma gag obrigatória), ou quando o dr. Raymond (Dan Aykroyd) é perguntado se é um deus (idem).
Do elenco original, além de Aykroyd, também Bill Murray, Ernie Hudson e Harold Ramis (os mosqueteiros originais) retornam, porém sua participação é minúscula – apenas maior que a de Sigourney Weaver, que deve ter participado pela memória afetiva (ok, existe uma participação menor, que é a de Annie Potts, mas Weaver tem um nome de maior peso). Do novo elenco, os adultos são tímidos: Paul Rudd poderia ser interessante no papel do sr. Grooberson, porém ele parece ter sido defenestrado de qualquer importância narrativa, para aproximar sua personagem do Louis de Rick Moranis em 1984; Carrie Coon tem em Callie uma personagem clichê da mãe solteira que guarda um trauma relativo à paternidade. No caso do pai de Callie, trata-se do arco central da narrativa escrita pelo diretor Jason Reitman e por Gil Kenan; no caso do pai dos filhos de Callie, a vagueza prepondera.
Esses são, inclusive, dois problemas do filme. O primeiro é o de personagens clichês. Finn Wolfhard faz de Trevor o adolescente envergonhado pela “mãe coruja” (dispensa carona, se incomoda com comentários sobre seu amadurecimento físico) e que rapidamente se apaixona e quer mostrar para o objeto da paixão que é bem mais adulto que aparenta (a personagem de Celeste O’Connor, Lucky, é uma muleta narrativa para solucionar um problema da trama, além de gerar algumas piadas com Trevor). Tudo serve para fins de humor (a piada do casaco não é nova, mas funciona), não para fins narrativos – tanto que a paixonite do garoto praticamente não tem desenvolvimento. Callie, a mãe clichê, tem uma filha nerd, papel com o qual Mckenna Grace eleva consideravelmente o nível da produção. Phoebe é carismática e autêntica mesmo quando a suspensão de descrença exigida é excessiva. O perfil nerd é clichê, contudo a garota transmite uma naturalidade simplesmente encantadora no papel (a expressão de estranhamento ao aproximar o rosto ao tabuleiro de xadrez é ótima). Para evitar as questionáveis cenas em que ela usa uma arma (afinal, ela não tem sequer dezesseis anos), teria sido interessante que interagisse mais com o professor defenestrado. Melhor que ela está apenas Logan Kim como Podcast: além de convincente, o menino é hilário. Conspiracionista, Podcast fortalece a comédia (dentro da própria comédia) não apenas pelo bom texto de seus diálogos, mas também porque a vivacidade que Kim imprime é digna de nota (“o cheiro marcante do mal é dominante” é uma das falas cujo conteúdo e entonação tornam impossível não rir).
O segundo problema está nas lacunas do roteiro: os problemas financeiros de Callie são absolutamente esquecidos; não se explica a razão por que Summerville é a nova cidade da ameaça suméria (os anos de reaparecimento estão lá, mas por que Summerville? Qual é de fato a relação de Ivo Shandor com aqueles acontecimentos? Como ele foi parar lá?); e Podcast é completamente descartado na delegacia após a chegada de Callie. O texto deixa pontas soltas, preocupando-se em solucionar somente o conflito entre Callie e seu pai – que não é uma lacuna, mas é um clichê.
Entre lacunas e clichês, “Caça-fantasmas: mais além” consegue ser divertido e engraçado. O CGI do filme é bom o suficiente para fazer o espectador se esquecer das limitações de 1984 e torná-lo simpático a um azul acinzentado, enrugado e perigoso fantasma comilão. A pirotecnia do final pode ser esquecida porque é mera repetição de “Os caça-fantasmas”. É isso que o filme de 2021 é e que o de 1984 não é: esquecível. De tanto puxar a corda, ela se arrebenta e a película cai no esquecimento – não sem antes divertir, uma diversão efêmera e pouco (ou nada) original, mas nostálgica.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.