“CONVIDADO DE HONRA” – O risco ao complicar demais
Criar uma trama complexa para um filme é sempre um risco. Se é verdade que, dessa forma, evitam-se os clichês da indústria cinematográfica, muitos deles já exauridos, não é menos verdade que a chance de errar se torna maior. CONVIDADO DE HONRA assume esse risco sem nenhum medo.
Quando o pai de Veronica falece, o padre responsável pela cerimônia do velório pede para falar com ela e obter informações sobre o falecido. Quanto mais fala sobre Jim, seu pai, para o padre, mais Veronica revela sobre si mesmo, dos difíceis últimos dias de sua mãe aos motivos que a levaram à cadeia.
O erro fundamental do roteiro de Atom Egoyan é a sua indecisão em relação a inúmeros aspectos. O cineasta não decide se quem protagoniza a sua obra é Veronica ou Jim. Se for Veronica, Laysla de Oliveira é completamente ineficaz para assumir os holofotes, revelando grandes limitações interpretativas (a cena em que Clive lhe revela a mensagem recebida é exemplo da sua incapacidade de imprimir dramaticidade ao papel). Se for Jim, David Thewlis tem a habilidade que falta para a atriz, porém a personagem é relativamente limitada em suas características.
Não se desconsidera que “Convidado de honra” não tem um roteiro character driven, o que significa que limitações do elenco ou na construção das personagens não seriam fatais para o texto. Entretanto, se a proposta é de um roteiro plot driven, novamente Egoyan falha ao estabelecer um emaranhado desnecessário e nada emocionante. A versão encarcerada de Veronica conversa com Jim sobre sua versão infantil, mas na verdade está contando seu passado para o padre; Veronica adolescente é recordada pela sua versão adulta enquanto professora, mas isso também faz parte das descobertas de Jim; os atos de Jim descobertos pela Veronica criança são narrados para o padre (Luke Wilson, de pouquíssima relevância, salvo por uma revelação, que é o que justifica a personagem), que sabe de um passado concernente a uma pessoa que nem conheceu (cuja divulgação para Veronica é eclesiasticamente questionável).
Egoyan não quer se limitar à trama de Veronica com seu aluno, Clive (Alexandre Bourgeois) – uma trama por si só pouco crível, salvo se aceito o humor instável da professora, abandonando o perfil de bastião da responsabilidade para abraçar uma personalidade vingativa e incoerente com seu próprio backstory. O cineasta adiciona a trama de Alicia (Sochi Fried), sobre quem pouco se sabe a não ser os traumas gerados em Veronica. Como resultado, a emoção relativa a tudo o que envolve Alicia, que deveria ser essencial para a compreensão da psique de Veronica, se dilui em relatos literalmente narrados, limitados por imagens breves. Não há como se importar com qualquer desfecho que Alicia possa ter, pois ela não chega a ser uma personagem. Diversamente, quando envolve fatos pretéritos possivelmente praticados por Jim e que afetam Veronica, o script consegue ser envolvente, mas, nesse caso, incorre em outro equívoco, o da complexidade desnecessária. Melhor teria sido elencar uma ideia governante, ao invés de dissolver reflexões.
Entre flashbacks e flashforwards em vaivém cujo intento parece ser o de confundir, a música de Mychael Danna se torna coerente com o câmbio rápido do espírito narrativo. Assim, quando Jim está nas primeiras inspeções (mostradas no filme), toca uma música que transmite humor; quando ele encontra o celular com o aviso “assista depois”, a canção sugere suspense; ao final, é o drama que prevalece. Existem basicamente cinco momentos cronológicos dentro da narrativa – Veronica criança, adolescente, professora, presa e com o padre -, cada um deles com um estilo distinto, com maior drama à medida que se distancia do presente diegético. Estilisticamente, todavia, apenas a trilha musical consegue coesão em relação ao conteúdo narrativo, ao passo que a mise en scène traduz tudo no mesmo tom.
De nada serve a redução da iluminação na cena em que Veronica dança no quarto (em oposição ao feixe de luz amarelada na sala em que conversa com o padre) se a cena em si cria uma contradição quanto à personalidade da personagem. David Thewlis se desdobra para dar complexidade a Jim (segura o choro na conversa em que descobre a verdade, transmite frustração no olhar na cena que dá nome ao filme etc.), porém ele não é muito mais do que um pai preocupado e um funcionário dedicado. Enquanto isso, Laysla de Oliveira tem em Veronica uma revolta (na infância), um trauma (na adolescência), uma irresponsabilidade (enquanto professora) e um arrependimento (quando presa). Talvez esse amálgama, pela sua complexidade, tenha tirado por completo as emoções da personagem no presente diegético. E talvez tenha feito o mesmo na obra como um todo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.