“NO CAMINHO DAS DUNAS” – Lugares e (des)conexões
* Filme assistido na plataforma da Supo Mungam Films (clique aqui para acessar a página da Supo Mungam Plus).
Um menino brinca em um carrossel de parque de diversões logo antes de avistar um rapaz por quem sente simpatia e corre atrás de um abraço. Na sequência, o mesmo garoto veste roupas e adereços da mãe para se posicionar em frente à janela como se fosse uma modelo prestes a ser fotografada e aplaudida. Nas duas situações, o personagem é Pim, um jovem de quatorze anos que atravessa sua própria jornada de autoconhecimento e busca por laços emocionais com outras pessoas à medida que sua adolescência transcorre. Assim, NO CAMINHO DAS DUNAS tem como centro dramático a vida de um adolescente, as pessoas com quem convive mais diretamente e os ambientes por onde transita à procura de seu lugar no mundo e na sua própria individualidade.
Adaptado do romance “Nooit gaat dit over“, escrito por André Sollie, este drama belga acompanha a vida de Pim na costa da Bélgica. Ele vive com sua mãe Yvette, uma solteira e ex-miss, que passa as noites fora de casa tocando acordeão. Enquanto isso, o jovem é introvertido e passa seus dias desenhando ou sonhando com uma existência diferente. Além disso, ele tem uma coleção de objetos que usa para expressar seus desejos emergentes. À medida que os anos passam, começa a se sentir apaixonado pelo melhor amigo, Gino.
Pim é um adolescente que está se descobrindo em muitas dimensões e aprendendo a lidar com diferentes aspectos da vida: sexualidade, emoções, família, relacionamentos, identidade, frustrações, perdas… Seu lado feminino é evidenciado nos momentos em que veste às escondidas as roupas de Yvette, age como uma miss e muda o tom de voz – atitudes que também podem revelar a busca por uma conexão mais forte com a mãe ausente; da mesma forma, ele guarda em uma caixa no seu armário objetos que tem alguma importância para ele, desde as vestimentas ou adereços da mãe, os desenhos feitos pelo próprio ou peças de roupa ligadas a Gino. É interessante perceber como seu próprio quarto e o quarto de Yvette oferecem ao protagonista um espaço de liberdade, onde consegue ser um pouco mais ele mesmo sem receios. Isso porque as atuações de Ben Van den Heuvel (versão infantil) e Jelle Florizoone (versão adolescente) se assemelham na forma como criam uma figura introspectiva que se expressa muito mais a partir dos desenhos, da postura corporal desajeitada e dos olhares entristecidos e sugestivos.
Outro aspecto que sobressai na caracterização do protagonista é sua sensibilidade. No entanto, não é uma característica que se destaque pelo trabalho dos atores. O diretor Bavo Defume compõe muitos planos bem iluminados com filtros naturais ou com a fotografia saturada que banham o personagem com cores quentes e agradáveis, criando a acolhedora sensação de que passar a narrativa ao lado de Pim seria uma experiência prazerosa – como exemplos, as sequências iniciais são construídas dessa maneira, sendo o carrossel iluminado intensamente pelas luzes artificiais do parque de diversões e a pose com as roupas femininas enquadrada pela janela do quarto banhada pela luz solar. E novamente a narrativa estabelece um padrão estético recorrente ao entrelaçar cenários específicos e traços da personalidade de Pim, algo que ganha maior ressonância por conta do figurino do elenco, sempre marcado por cores primárias e complementares.
Seguindo a lógica dos espaços como símbolos para a vida do protagonista, é possível sentir como a unidade familiar faz falta ao jovem. Não há uma figura paterna e sua mãe não tem um vínculo emocional efetivo com o filho. Embora ela não recrimine, julgue ou puna o garoto ao vê-lo usando as roupas dela, ela mal fica em casa, conversa com ele ou se coloca como uma escuta sensível para ajudá-lo ou confortá-lo – por conta disso, os cômodos da casa que não sejam os quartos surgem sob o signo da ausência ou da inconstância, pois Pim está sozinho, Yvette aparece rapidamente e outros personagens vêm e vão abruptamente (como Etienne, o homem que tem um caso com Yvette, e o Zoltan, o homem que aluga um quarto na sua casa. Como o lugar em que vive é marcado pela ausência, Pim constantemente vai para o bar Texas, onde Yvette se apresenta, querendo, pelo menos, estar no mesmo local que sua mãe, apesar de ainda se sentir solitário em meio aos outros clientes e buscar refúgio em seus desenhos.
Como o ambiente familiar não cria laços concretos, Pim é levado com frequência a ir para a casa dos vizinhos, onde ali se sente acolhido e amado. É outro lar em que não há uma figura paterna, mas há Marcella, a mãe de seus amigos Sabrina e Gino. Nessa mulher, o adolescente encontra uma figura materna, mesmo que não precise expor seus sentimentos nem pedir conselhos diretamente, já que a presença garantida de Marcella já é o suficiente para deixá-lo amparado. Na mesma casa, Pim vivencia o amor que se concretiza e que se frustra: Sabrina nutre por ele uma paixão platônica e Gino se torna seu primeiro amor. É com este rapaz que o protagonista inicia sua vida sexual e sofre as primeiras decepções amorosas, a começar pelo fato de o relacionamento ser mantido como um segredo e de Gino parecer entender tudo aquilo como uma aventura passageira. Ao longo do tempo em que ficam juntos, compartilhando carinhos e um ponto seguro um no outro, o filme remete ao subgênero coming of age como “Verão de 85” fez recentemente (clique aqui para ler a nossa crítica). E para a relação atingir o espectador, é importante o modo como Mathias Vergels interpreta Gino como um jovem oposto a Pim em muitos sentidos, porém capaz de amá-lo sinceramente.
Além de trazer o parque de diversões e certos edifícios como representações da personalidade ou dos anseios de Pim, Bavo Defume também utiliza a paisagem natural da costa da Bélgica a favor do desenvolvimento dos conflitos dramáticos. Trata-se de mais uma estratégia com a qual “Verão de 85” dialoga, por serem duas obras que se passam no litoral europeu e se apropriam da natureza como recurso simbólico. No caso deste drama belga, diferentes etapas do amadurecimento do protagonista são intercalados por momentos em que a natureza aparece e se torna uma espécie de código visual para retratá-las. É o que acontece quando Pim e Gino se encontram escondidos nas dunas, situações frustrantes acontecem com Pim e a câmera enquadra uma chuva intensa ou um vento acelerado pela relva e quando uma grande decepção de Pim o leva a desabafar no mar gritando e nadando nu. De certa forma, essas paisagens parecem evocar como os cenários em torno do jovem podem alternar entre a segurança, a felicidade, o desamparo e a frustração, sentimentos tão típicos do decorrer de uma vida.
Gino, Sabrina, Marcella, Yvette, Etienne e Zoltan. Todos esses personagens passam pela vida de Pim, fazendo-o vivenciar diferentes ocasiões felizes e tristes ao longo de alguns anos. “No caminho das dunas” acompanha o jovem às vésperas de completar 15 anos até os dias posteriores do seu aniversário de 17 anos enquanto precisa enfrentar todas as reviravoltas que a proximidade da vida adulta pode trazer. Podem ser momentos afetuosos, como o cuidado que tem com a mãe após ela voltar abalada de um show de madrugada; decepcionantes, como uma paixão não correspondida ou sequer concretizada; infeliz, como a aceitação de uma partida trágica; ou emocionante, como o profundo significado do toque de duas mãos. Cada um desses acontecimentos ensina para Pim que sua existência passa por reviravoltas que não pode controlar e prossegue em uma busca contínua por lugares onde ele possa se sentir conectado consigo e com pessoas amadas.
Um resultado de todos os filmes que já viu.