“SUK SUK – UM AMOR EM SEGREDO” – A delicadeza no oculto
Idosos não costumam ser protagonistas de muitos filmes. A sexualidade de pessoas idosas é algo menos comum de aparecer no cinema. E a homossexualidade na terceira idade ainda é um tema tabu para ser abordado na arte. Isso porque não se trata de uma questão marginalizada apenas nas produções artísticas, final a sociedade em geral também considera que, a partir de certa idade, as pessoas poderiam sentir atração sexual. Contrariando as restrições sociais impostas, SUK SUK – UM AMOR EM SEGREDO tem como personagens centrais dois homens na casa dos setenta anos que não podem revelar o romance entre eles e ocultam o sentimento que vem dessa relação.
Os dois homens são Pak e Hoi. O primeiro é um motorista de táxi que vive com sua esposa, tem três filhos e uma neta; o segundo vive com o filho, um cristão devoto, e a família dele. Eles passaram toda a vida sem jamais assumir suas orientações sexuais. Então, em um dia se encontram por acaso nas ruas de Hong Kong e se apaixonam. A partir daí, Pak e Hoi vivem o dilema de construir um futuro juntos, revelando publicamente quem são, ou de manter a fachada criada para continuar com suas famílias.
Tendo como inspiração o livro “Oral History of Older Gay Men in Hong Kong“, o diretor Ray Yeung desenvolve a narrativa através da ideia da delicadeza no oculto. Quando se trata de Pak, seu cotidiano é trabalhar dirigindo o táxi e ajudar nos preparativos do casamento de uma das filhas, mas são as entrelinhas e os silêncios que informam mais sobre ele. O longo tempo que passa limpando o veículo mostra sua resistência em se aposentar e os olhares para os corpos masculinos em banheiros públicos sugerem sua homossexualidade. Acima de tudo, são as sutilezas das cenas ocorridas em sua casa que demonstram que o cineasta caracteriza a personagem a partir dos pequenos detalhes: é convencido pela neta a comprar uvas para ela mesmo não podendo, tenta ver o lado positivo da gravidez escondida pela filha, aceita se desfazer de uma camisa velha apesar de gostar muito dela e come uma refeição sem vontade para acompanhar a esposa. Cada momento exemplifica como Pak cede para evitar conflitos.
Já Hoi tem outra relação com sua vida e sua família, logo os segredos sobre a sexualidade seguem outra dinâmica. Ele está aposentado e divide a casa com o filho, a nora e a neta, sendo constantemente tolhido pelo filho rígido (não pode dar doces à criança à noite, não pode ele mesmo comer doces à noite, deveria descartar as fotografias antigas para usar apenas um álbum digital e precisa acompanhar a família em uma Igreja Católica regularmente). Apesar das divergências geracionais, ele ama o filho e, por isso, esconde sua orientação sexual para continuar próximo a ele. Porém, ao contrário de Pak, Hoi tem um espaço e amigos com quem pode ser ele mesmo, pois convive com outros senhores de idade também homossexuais que escondem quem realmente são. Esse núcleo possui uma subtrama expressiva para a trajetória das personagens que envolve a busca pela construção de uma casa de repouso gay, onde os idosos poderão se sentir mais livres.
Ao se encontrarem em um parque, os dois homens têm suas vidas transformadas. O que seria um relacionamento casual para Pak se torna um romance genuíno graças à afinidade e ao amor que sentem um pelo outro. O relacionamento entre eles é secreto e seus encontros somente podem ocorrer em ambientes específicos, como a casa vazia e uma sauna gay – há uma ternura simples naqueles casais que se encontram às escondidas, conversam sobre suas relações e demonstram cuidado com temas cotidianos (como os excessos de alimentação e bebida). Por mais que este romance precise ser oculto, a delicadeza transborda na forma como Pak e Hoi encontram sua intimidade nos beijos, nos toques, na troca de olhares, no sexo ou simplesmente nos momentos de confidência de inseguranças deitados um sobre o outro. Enquanto esta comunhão se constrói, Ray Yeung cria belíssimos planos com uma câmera que contempla a paixão dos dois homens e uma trilha sonora que potencializa o entrelaçamento de duas almas (acrescida da canção assinada por Veronica Lee que pontua a sensibilidade poética daqueles encontros corporais e emocionais).
Cada instante partilhado pelos protagonistas faz com que seus próprios conflitos sejam redefinido, embora tenham em comum o fato de enfrentarem duros obstáculos para se libertarem de vez. Hoi sente as pressões sociais de se assumir homossexual por conta de como o filho poderia reagir, como fica patente na sua recusa de viver em uma casa de repouso gay e de falar publicamente pela criação dessa instituição – transparece nele o medo quanto à reação do filho ao admitir a verdade. Por outro lado, Pak mantém seu segredo porque ele coloca sua família acima até de suas necessidades individuais, como fica evidente nas conversas com seu amante sobre sua disposição ininterrupta de prover a família – assim, se ele se aposentar o que restará para fazer se não passar para o lugar de ser cuidado pelos filhos? Portanto, ambos se debatem internamente, e por razões próprias, se seus destinos não seriam solitários.
Esses temores poderiam ser contidos mediante a concretização de um relacionamento declarado, entretanto as barreiras para o romance parecem incontornáveis. Para retratá-las o diretor retoma a perspectiva de uma delicadeza no oculto ao trabalhar os silêncios e as alegorias que se interpõem como impedimentos de um amor público. Durante o casamento da filha de Pak, Hoi percebe como a família é o mais importante para o taxista e nada parece ser capaz de separá-lo dela apenas através de cenas silenciosas ou de poucos diálogos. Mais adiante, a recusa de Pak de usar o talismã dado por Hoi e de frequentar a Igreja Católica como o amante pediu evoca uma metáfora religiosa relativa à conversão para o catolicismo, que permitiria aos fiéis saberem onde os entes queridos estariam após a morte. O afastamento gradual entre eles ressoa também nas diferentes composições dos protagonistas, já que as sutilezas de Pak estão nos silêncios ambíguos do ator Tai Bo, que não revelam sentimentos, e de Hoi na repressão emocional de Ben Yuen, que não expõe sentimentos mais intensos do que um mero vislumbre efêmero.
No pano de fundo dos conflitos centrais, dois idosos falam em uma audiência pública sobre a importância de uma casa de repouso gay: suas vidas obrigaram que se escondessem em nome da família, dos filhos, do emprego e da sociedade, mas até quando os filhos já foram criados e são adultos, eles ainda não poderiam ser livres? Essa fala reverbera nas dúvidas que Pak e Hoi têm a aposentadoria e a velhice seriam mesmo fases de libertação da vida para expor sua identidade real, já que se afastam da heteronormatividade. “Suk Suk – Um amor em segredo” pode não concretizar o romance, mostrando o silenciamento dos dois homens em lugares distantes sendo obrigados a continuar em segredo, porém trata com delicadeza o que é ocultado por uma sociedade intolerante. Nas brechas do que pode se revelar, o filme busca a beleza, a ternura e a vida mesmo quando a realidade oprime o amor.
Um resultado de todos os filmes que já viu.