“INFILTRADO” – Selo Jason Statham
Atores e diretores, quando atingem determinado estágio da fama com seu trabalho, conseguem marcar seus nomes em todas as produções de que participam. Por exemplo, Quentin Tarantino construiu uma carreira respeitável o suficiente para justificar um padrão de alta qualidade com que seus filmes são imediatamente associados. O mesmo pode ser dito de Joaquin Phoenix, ator que escolhe bem os projetos nos quais ingressa. O diretor e o protagonista de INFILTRADO também moldaram seus nomes na indústria cinematográfica, mas em direções distintas, prevalecendo apenas um como o principal.
De poucas palavras e discreto, H é o novo contratado de uma empresa de carros-fortes vitimada recentemente por um trágico assalto. Inicialmente subestimado, H impressiona os colegas quando, sozinho, os livra de um novo ataque. Sua resposta é um feito tão eficiente que seus companheiros de trabalho começam a questionar seu passado e suas motivações. De fato, H tem intenções ocultas no emprego.
“Infiltrado”, de 2021, é baseado no francês “Assalto ao carro forte”, de 2004. Escrito pelo diretor Guy Ritchie com Ivan Atkinson e Marn Davies, o roteiro do longa tem quatro atos claramente delineados por uma divisão em capítulos. No primeiro, H é apresentado no presente diegético; no segundo, aparece o pretérito diegético de H; depois, o evento central (que constitui a motivação de H) é explicado da perspectiva de outro envolvido, Jan; no quarto, há o esperado confronto. É tudo bastante previsível e unidimensional – o máximo que se pode extrair de subtexto é a decisão do dono da empresa de não poupar H de um trauma, isto é, o pensamento do empregador de que a eficiência do empregado em sua função é mais relevante que a sua saúde mental.
O texto é bastante pobre em seus diálogos e em suas personagens. Ao ser recebido na empresa, H encontra um ambiente hostil, com colegas antipáticos e propensos ao bullying. Segundo um deles, interpretado por um esforçado Josh Harnett, o protagonista não teria ideia do que precisaria enfrentar, pois o trabalho no carro-forte não é como predador, mas como presa. Sobram frases de efeito que cercam o (anti-)herói. A narrativa é composta por vaivéns temporais (algo comum nos filmes de Ritchie) que servem para unir o primeiro ao último ato (os atos intermediários se passam no pretérito), revelando o vilão e os objetivos do protagonista, porém a singeleza dessas revelações impede quaisquer emoções intentadas pelo plot. De nada adiantam os red herrings (Dave não trabalhou no dia do assalto, o interesse em Dana etc.) se o principal é consideravelmente óbvio. O nome original da película, “Wrath of a man” (em tradução livre, “Fúria de um homem”), teria sido melhor ao invés do spoiler do nome brasileiro, que já dirige as expectativas do público.
O drama do longa chega a ser vergonhoso. A cena em que H ouve os lamentos da mãe de Dougie, por exemplo, é completamente vazia de potencial dramático, pois Dougie não aparece o suficiente para que com ele o espectador forme algum vínculo, menos ainda a sua mãe (a filmagem em plano aberto reforça a frieza da cena). Outro problema da ausência de dramaticidade é a escalação de Jason Statham no papel principal. Conhecido por papéis marcados por invulnerabilidade e eficácia na ação, os filmes de que o ator participa dependem do seu corpo musculoso e da sua expressão fechada e de poucos amigos – nunca da sua (nula) capacidade interpretativa. Statham e Ritchie já trabalharam juntos antes, mas não nesse perfil obsoleto. Em “Infiltrado”, o ator tem mais um papel no estilo Chuck Norris, ou seja, capaz de lutar (e matar) incontáveis inimigos (quase) sem derramar uma gota de sangue. Segundo um conhecido meme, a ideia de colocar o rosto de Norris no Monte Rushmore foi descartada porque o granito não era duro o suficiente para representar a barba do ícone. Talvez no futuro o meme seja reciclado para se referir não à barba de Norris, mas à careca de Statham.
Se Statham não costuma ser associado a atuações boas, o mesmo não pode ser dito do diretor Guy Ritchie, famoso por filmes ótimos como “Jogos, trapaças e dois canos fumegantes” e “Snatch: porcos e diamantes” e bons como “Sherlock Holmes” e “O agente da U.N.C.L.E.”. É verdade que há “Destino insólito” em sua filmografia, mas a média de suas obras é maior que a de “Infiltrado”. O longa de 2021 é repetitivo (o prólogo reaparece mais duas vezes) e pouco criativo em sua trilha musical (a Leitmotiv é cansativa pela reiteração incessante, apenas o uso de “Folsom prison blues”, de Johnny Cash, é razoável). Na montagem, o quarto ato é composto de dois extremos alongados em demasia: o planejamento em miniatura, durante vários minutos, intercalando uma cena brutal, a coloca à beira do risível. Entretanto, existe no longa uma marca estilística de Ritchie, que é a fotografia escurecida, dando um tom sombrio. Ainda assim, o que prevalece não é um diretor geralmente bom, mas um ator sempre ruim. “Infiltrado” recebe o selo Jason Statham de (má-)qualidade.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.