“LOKI” [1X06] – Aquele que Permanece
O MCU já recebeu diversas críticas, muitas delas girando em torno da seguinte ideia: os filmes e as séries se preocupam muito mais com as referências e sugestões para o universo maior do que com os elementos próprios e individuais de cada obra. LOKI parece ter consciência desse questionamento e lida em toda sua temporada com o dilema de ter sua própria personalidade e se conectar com o que a empresa pretende fazer nos futuros projetos. E o sexto episódio é um símbolo preciso de como satisfazer as duas dimensões, levando Loki e Sylvie a cidadela para além do fim do mundo, onde encontram a figura que controla as linhas do tempo e as realidades, descobrindo que há muito mais em jogo do que a derrubada da opressora AVT.
“Por todo o tempo. Sempre” indica desde os créditos iniciais que a trama e a estética abraçaram de vez a convergência de universos. Na abertura, o slogan da Marvel é acompanhado pelo encontro de falas e diálogos de diferentes produções da empresa ou de frases icônicas da história – simbolicamente, essas junções entrelaçam tempos, versões e momentos variados como se fosse um mundo à parte com conexões particulares. Com o avanço da narrativa, outros aspectos reforçam a sensação de que os protagonistas penetraram em uma dimensão na qual as regras e as implicações de suas atitudes não são completamente compreendidas: os efeitos visuais envolvem o castelo do vilão com uma miríade de luzes, cores e passagens digna da confluência de realidades; o castelo é marcado por ranhuras e sinais de antiguidade evocativos de uma ancestralidade ramificada em distintas versões; e a conversa entre Loki, Sylvie e Aquele que Permanece é filmada alternando entre o zoom-in e o zoom-out em momentos vitais para destacar a imprevisibilidade das ações do antagonista.
Além dos detalhes mais sutis que se encontram, Aquele que Permanece é a representação mais bem acabada do multiverso estabelecido. A presença desse personagem cumpre um duplo objetivo, sem que algum deles se imponha acima do outro. Inicialmente, os fãs podem celebrar o fato de uma personagem importante das histórias em quadrinhos ser levada para a série, assim como imaginar os desdobramentos que sua inclusão pode significar para o futuro da Marvel (trata-se de uma figura dividida em várias versões e poderosa por exercer uma influência significativa nas linhas do tempo). Porém, este não é o único benefício, já que o vilão se mostra fascinante também pelo que faz no capítulo e não apela pelo que pode vir a ser, graças à performance de Jonathan Majors. O ator concebe uma figura simultaneamente ameaçadora, narcisista e irônica, que se diverte em ver a confusão mental de Loki e Sylvie, exala poder nos mínimos gestos e mal contém a apreciação que tem por si mesmo.
Esta personagem é “o homem por trás da cortina”, responsável pela farsa dos Guardiões do Tempo, pela manipulação de existências, acontecimentos e linhas do tempo e pela introdução definitiva do multiverso nas histórias da Marvel. A complexidade dramática começa pela concepção do intérprete e culmina no dilema imposto pelas tentativas de derrubar a AVT, pois a dualidade entre ordem e caos ou controle e livre-arbítrio atinge um ápice grandioso. O que seria preferível entre uma ditadura que garante a segurança/sobrevivência de todos e a liberdade que expõe qualquer indivíduo ao risco da destruição completa? Além disso, ainda há a possibilidade de Aquele que Permanece estar mentindo ou exagerando as consequências de um universo carente de uma força controladora e impositiva. Nesse sentido, Jonathan Majors também tem um magnetismo que faz os espectadores não desgrudarem os olhos e os ouvidos da explicação que oferece para a combinação e os conflitos entre os universos.
São tantas implicações em jogo que as demais personagens sentem o peso de uma eventual realidade em desestruturação. Na AVT, Ravonna segue um arco narrativo ambíguo que se intensifica quando entra em conflito com Mobius, sendo ela própria afetada pelas dúvidas quanto à necessidade de uma ordem controladora ou à importância de uma liberdade real. A agência onde trabalha está se desfazendo, como se pode observar no caso de funcionários que estão cada vez mais confusos sem entender o que acontece com seu trabalho e com a situação de sua chefe. A jornada ainda incompleta de Ravonna traduz com precisão os dilemas internos que carrega, como quando os questionamentos de Mobius são por ela respondidas com a crença de que é preciso haver algo que dê ordem e sentido a toda existência, pois o simples caos seria intolerável.
Já no castelo além do fim do mundo, Loki e Sylvie continuam vivenciando seus próprios embates também relacionados ao livre-arbítrio. Aquele que Permanece manipula as mentes e emoções dos protagonistas, oferecendo a eles o que mais desejam (para Sylvie, uma vida mais feliz e para Loki, o exercício do poder) para ajudarem a manter o status quo. No entanto, o estado em que cada um deles se encontra preserva o interesse que possuem pela conquista da liberdade, embora não saibam definir quem são (Sylvie precisa ser necessariamente a versão que não confia em ninguém? Loki precisa ser necessariamente a versão que desperta a desconfiança de todos?). Por mais que tenham essa semelhança, a evolução narrativa varia de um para outro, o que explica Sylvie agir pela emoções conturbadas mal resolvidas em seu íntimo e Loki pensar além dos seus próprios interesses egoístas.
Assim, o último episódio da primeira temporada se encerra com a solução de um impasse que sintetiza muito bem os contrastes colocados desde o primeiro capítulo. Esta resolução apresenta, de fato, o impacto que o multiverso pode gerar para uma segunda temporada (considerando o sucesso, já há perspectivas para se renovar a produção para mais episódios) levando algumas personagens para outra realidade ainda mais desafiadora do que a anterior. E, então, sem desmerecer o desenvolvimento da própria série como produção com vida própria, “Loki” também aponta para as potencialidades que a Marvel pode ter em mais uma era, combinando universos que trazem novas personagens, novas versões de personagens, outra escala de conflitos e uma combinação de gêneros bem-vindos às histórias de super-heróis.
Um resultado de todos os filmes que já viu.