“COLATERAL” – Na violência de Los Angeles
Alguns filmes podem ser esquecidos ao longo do tempo e não ocupar posições importantes em conversas e listas sobre cinema. Essa sensação parece cair como uma luva em COLATERAL, apesar de seus méritos técnicos e estilísticos na construção da ação e do suspense. A história que vemos acompanha a reviravolta na vida do taxista Max quando ele é obrigado pelo matador de aluguel Vincent a levá-lo para diferentes lugares de Los Angeles, onde precisa assassinar algumas pessoas.
A eficiência na combinação entre ação e suspense está associada ao ritmo de urgência que rapidamente se instala na narrativa. A trama se desenvolve ao longo de um dia, iniciando pelas primeiras horas do dia quando Max se prepara para seu trabalho e começa a dirigir para seu primeiros clientes. À medida que as horas transcorrem e a noite se aproxima, a tranquilidade de seu dia a dia diminui consideravelmente e é definitivamente eliminada no momento em que encontra Vincent. A partir desse encontro, a narrativa avança em direção a uma sucessão de ameaças ao protagonista que deixa o espectador temeroso com o que pode vir a seguir.
Conseguimos penetrar nas ruas, vielas e demais espaços de uma grande cidade como Los Angeles graças ao estilo da câmera de Michael Mann. Algumas características já vistas em “Fogo contra fogo“, outro filme do diretor, com temáticas e abordagens semelhantes, reaparecem aqui para imprimir um forte senso de realidade: a utilização da câmera na mão seguindo os personagens e os planos longos. O primeiro recurso se aproxima de uma estética documental capaz de emular um realismo maior, enquanto o segundo disfarça os efeitos da montagem e demais interferências possíveis pelos realizadores da obra. Dentro dessa lógica, as panorâmicas retratando a cidade ou travellings passeando pelas ruas cumprem a função de nos fazer mergulhar naquele universo.
As sequências de ação são filmadas com poucos cortes para contribuir na criação da sensação de realismo e na compreensão espacial dos acontecimentos. Já os momentos contemplativos, além de equilibrarem o ritmo geral da narrativa para não haver um excesso descontrolado de ação, informam através de detalhes sutis características dos personagens e relações entre eles: o cuidado de Max em limpar e arrumar seu táxi mostra o valor que atribui aos automóveis e seu amplo conhecimento sobre seu ofício; a interrupção dos vários ruídos existentes na cidade quando Max entra em seu carro mostra como o interior do veículo pode ser seu refúgio; os enquadramentos que mostram sempre no mesmo plano Max e Annie (uma advogada cliente sua, com quem mantém uma relação amigável) diferenciam-se dos primeiros enquadramentos entre Max e Vincent, nunca dividindo o mesmo plano, e transmitem, respectivamente, proximidade emocional e afastamento de personalidades e vivências.
Como a maior parte do filme se passa à noite, um desafio para o trabalho de direção de fotografia foi a filmagem noturna. Os dois responsáveis por essa tarefa são Dion Beebe e Paul Cameron. Eles trabalham com equipamento digital, outra marca das obras de Michael Mann, para realçar as diferenças entre ambientes escuros e mal cuidados de zonas periféricas da cidade e outros mais bem iluminados das partes mais abastadas de Los Angeles. Tais contrastes e as gradações entre eles ajudam a dar uma visibilidade eficiente em todas as sequências noturnas.
Além de aspectos estilísticos, o diretor trabalha bem a direção de atores, extraindo de sua dupla principal atuações eficientes. Jamie Foxx possui o arco dramático mais facilmente reconhecível, transitando de forma segura entre o taxista preocupado apenas com suas funções sem se envolver com seus passageiros para um sujeito mais ativo e decidido a agir não só em nome de sua autopreservação; nessa transformação, é interessante perceber como o ator abandona, gradativamente, uma postura corporal e uma expressão facial amedrontadas e ganha uma confiança e uma capacidade de decisão maiores. Tom Cruise apresenta um trabalho de composição de personagem louvável, tentando se desvincular de sua imagem recorrente de herói, inclusive ao deixar o cabelo e a barba grisalhos; essa busca contribui para a criação de um vilão complexo, detentor de habilidades no confronto corpo a corpo e no manejo de armas de fogo, mas também de modos sofisticados e admiração por expressões artísticas, como o jazz.
O único ponto falho em “Colateral” está nas tentativas do roteiro de desenvolver algum debate sobre a violência urbana e seus impactos sobre os cidadãos de Los Angeles. Os diálogos escritos com esse objetivo dissertam sobre as mais variadas questões mas não encontram um foco para se concentrar, por isso se perdem em reflexões incompletas ou pobres (como o monólogo do criminoso Felix). Entretanto, seria muito cruel relegar ao filme um esquecimento, como ele parece sofrer, apenas por esses problemas temáticos. Afinal, como um representante dos gêneros ação e suspense, ele desempenha bem suas funções e constrói uma narrativa envolvente.
Um resultado de todos os filmes que já viu.