“LOKI” [1X03] – Desenvolvimento de personagens
Há uma lenda difundida no campo das artes narrativas de que as histórias precisam ter suas tramas desenvolvidas constantemente. Essa tese parece se concentrar exclusivamente no avanço dos acontecimentos do roteiro, desconsiderando outras dimensões que também podem se desenvolver. Por um lado, quem esperar que o terceiro episódio de LOKI faça a diegese avançar pode se decepcionar, já que a narrativa é mais contida em termos de fatos ocorridos; por outro, quem se deixar levar pela junção de comédia, ação e ficção científica e pela dinâmica entre Loki e Sylvie continuará no mesmo curso de diversão inteligente criado desde o princípio.
No capítulo anterior, Sylvie desestabilizou as linhas do tempo e planejou invadir a sala na AVT onde ficam os Guardiões do Tempo. Seguindo seus passos, Loki impediu a realização completa do plano ao se apoderar de um dispositivo de viagem espaço-temporal que ela usava. Como consequência da luta entre eles, os dois foram transportados para o planeta Lamentis em 2077. O local está prestes a ser destruído por causa da colisão de corpos celestes, o que os obriga a recarregar o equipamento avariado em tempo de fugirem antes do apocalipse.
“Lamentis” é até agora o capítulo que, teoricamente, menos desenvolve a trama, como se pode observar na sinopse e na própria experiência proposta pela narrativa. Basicamente, tudo se resume ao esforço de encontrar uma fonte de energia forte o suficiente para reativar o dispositivo enquanto lutam pela sobrevivência (fugirem uma chuva de meteoritos, entrarem clandestinamente em uma nave, serem expulsos do transporte e buscarem outra alternativa de fuga). Mas, acima de tudo, o que predomina é a dinâmica entre Tom Hiddleston e Sophia Di Martino, que define o humor para a interação entre Loki e Sylvie – as personagens lutam, discutem, se provocam, parecem se conciliar, voltam a brigar e tentam se impor em relação ao outro. A comédia se fortalece porque os dois têm personalidades difíceis (e semelhantes) e a jornada se distancia das expectativas óbvias de uma conciliação na qual eles entenderiam como cada um seria e encontrariam um equilíbrio.
Se o factual da série não avança tanto, o mesmo não pode ser dito da evolução narrativa das personagens. É possível conhecer um pouco mais do protagonista e da antagonista e não somente por conta do humor que dá o tom da relação entre eles, mas também novamente da abordagem de questões dramáticas profundas. Cada momento partilhado reafirma como Loki e Sylvie são duas facetas do mesmo ser que, por mais que transpareçam imediatamente as diferenças, possuem vários elementos em comum: o egocentrismo de quem supervaloriza suas próprias capacidades, as inseguranças de se ver refletido em outra pessoa e a curiosidade de observar como é sua versão espelhada. E para simbolizar a profundidade que a obra frequentemente alcança, há outra cena de diálogo expressiva quando Loki e Sylvie exemplificam a fluidez de suas identidades no que se refere aos seus poderes, às origens familiares e à sexualidade.
O desenvolvimento das personagens ecoa também nos ambientes por onde eles passam. Graças à fotografia e aos efeitos visuais, os cenários também se tornam fluidos tanto na composição quanto nas sensações evocadas: as primeiras sequências se passam a céu aberto na aridez de Lamentis e se aproximam do subgênero de viagem no tempo; já a passagem para o interior da nave leva para um espaço mais refinado e high tech, que se relaciona mais à comédia, apesar de conter momentos dramáticos; e as últimas cenas ocorridas na área povoada do planeta demonstram a a devastação já iniciada pelo apocalipse iminente, que dialoga com as distopias da ficção científica. É justamente nessa porção final do episódio que os elementos distópicos se combinam com o avanço discreto da trama, que questiona se os agentes da AVT teriam sido sempre funcionários da agência ou se estariam de alguma forma obrigados a trabalhar ali por uma instituição opressiva. Essa é uma dúvida que se apresenta sutilmente e pode ser desenvolvida nos capítulos futuros, enquanto sua sugestão faz alusão ao cenário distópico e as referências a títulos como “Blade Runner” e “1984“.
A fluidez que marca o desenvolvimento de Loki e Sylvie transborda para outros elementos estéticos do episódio, como a condução das cenas de ação. Esses momentos não tinham sido tão empolgantes ou inspirados anteriormente, mas em “Lamentis” a diretora Kate Herron trata as sequências de confronto, perseguição e fuga como oportunidades também de mesclar os gêneros e as sensações que a série proporciona. Por isso, há ocasiões em que o humor se faz mais presente (os confrontos e desentendimentos entre Loki e Sylvie), o aspecto fantasioso se acentua (a interação das personagens com as locações) e a tensão toma conta (o encerramento filmado em um longo plano-sequência que demonstra virtuosismo técnico e um senso de urgência compatível com o sentido do momento). Diante da combinação de tantas características diferentes, “Loki” reafirma como o episódio pode terminar quebrando expectativas, as personagens não se enquadram em definições simples e o universo Marvel pode seguir se desdobrando para novos rumos.
Um resultado de todos os filmes que já viu.