“XTREMO” – A violência como recurso para suprir a falta de desenvolvimento
A Espanha vem ganhando notoriedade na Netflix nos últimos anos com suas produções audiovisuais. E toda essa pompa tem um motivo: a lei aprovada em 2018 pelo parlamento europeu que obriga que 30% das obras veiculadas por lá devam ser produções locais. Diversas obras já deslancharam desde então, entre elas: “Elite”, Um contratempo” e “La Casa de Papel“. Agora é a vez do filme XTREMO, que ocupa o Top 1 em mais de 80 países.
Téo Garcia, o Max, foi o criador do argumento original junto com Genaro Rodriguez, com quem já havia trabalhado no longa “Mal día para fumar”, e o roteiro é assinado por Ivan Ledesma, em seu primeiro crédito como roteirista para longa-metragem.
Apesar de trazer um tema universal como a vingança e de estar repleto de cenas de ação como na maioria dos filmes que usam a vendeta como ponto de partida, a narrativa de “Xtremo” não traz nada além disso. O conflito é bem estabelecido e o espectador entende que, apesar de não ser inocente, Max foi traído pelo próprio irmão, um homem cruel capaz de matar o próprio pai a sangue-frio. Porém, as relações entre as personagens não são desenvolvidas em outros âmbitos.
A direção de Daniel Benmayor é perspicaz ao usar planos médios e abertos, mostrando a importância dos cenários no longa. Mais do que apenas ambientar determinada cena de luta na rua, na oficina, ou em casa, o diretor trabalha com todos os elementos disponíveis para criar as cenas e construir a história – seja a mesa que serve de esconderijo, o vidro que vai ser estilhaçado ou até mesmo o hidrante quebrado. Cada elemento tem sua importância dentro do jogo cênico.
Mesmo sabendo que Lucero, o irmão de Max, é um homem capaz de tudo – afinal de contas, ele tentou dizimar a própria família -, o espectador é colocado diante de situações que nada acrescentam ao resultado. A cena em que o personagem de Óscar Jaenada (“Fuga implacável”) vai ao cassino e arrasta uma mulher pelo braço, jogando-a covardemente em cima de uma mesa, não tem utilidade alguma dentro da trama. A única função dessa sequência é causar um choque no espectador e reafirmar o quão poderoso é aquele homem. Naquele espaço havia dezenas de outras pessoas que não se opuseram à agressividade dele. A essa altura, o público já conhece os escrúpulos de Lucero, e, ao apelar por uma violência tão brutal sem necessidade, o roteiro de Ivan Ledesma empobrece a obra.
Brutalidade, aliás, é a palavra que melhor define algumas sequências: mãos sendo esmagadas, olhos perfurados, crianças sendo mortas… Todos esses acontecimentos são usados como recurso para explicitar ainda mais que os criminosos do filme estão dispostos a cruzar qualquer limite. No entanto, essa informação já fica extremamente clara no primeiro ato, onde um filho mata o próprio pai a sangue-frio.
Em meio à toda luta e violência, o roteiro de “Xtremo” deixa de lado o desenvolvimento das personagens e os conflitos que trazem com eles, provocando a sensação de que tais tipos foram criados apenas para preencher as quase duas horas de filme. Os dois grandes exemplos disso são Léo e Maria, que acompanham o protagonista Max em sua cruzada.
Léo, interpretado pelo jovem Óscar Casas (“Granada nights”), é um garoto que vendia drogas, mas acaba se envolvendo em um problema com seus chefes, que por coincidência eram pessoas que também estavam no caminho de Max. Rapidamente os dois acabam criando um elo, quase que uma relação de pai e filho, relembrando ao ex-mercenário a paixão de seu filho pela música. Mas antes mesmo da relação gerar frutos, os problemas arrumados por Léo deságuam em mais cenas violentas.
Maria, por sua vez, é uma personagem um tanto quanto misteriosa. A personagem de Andrea Duro (“Com quien viajas”) é a irmã mais nova de Max e Lucero, também adotada. A princípio isso não fica tão claro para o espectador, e quando acontece existe uma cena em que ela entra para o banho e Max a observa do lado de fora com uma insinuação de que existe um desejo sexual nessa relação. É certo que eles são irmãos adotivos e, portanto, não possuem nenhum laço sanguíneo, mas para o espectador que já viu todo tipo de atrocidade nessa família fica a sensação de que mais uma vez o roteiro pincela uma trama complexa e não dá tempo para que a situação se desenvolva.
Essa falta de desenvolvimento das relações entre as personagens é sentida no período entre uma cena de ação e outra. Eles perdem pessoas, são atacados e humilhados a todo momento, mas não existe um indício que as situações estejam modificando-os, – para o bem ou para o mal. Eles permanecem com o mesmo discurso e atitude até o final do longa.
“Xtremo” é um filme que promete muita pancadaria e entrega exatamente aquilo em que se dispôs. Sem desenvolver por completo seus personagens e com cenas de violência regadas com pitadas de sadismo, o longa é um entretenimento que jorra sangue pela lente da câmera em duas horas de duração. Nada mais, nada menos!
Publicitário, apaixonado por cinema e futuro ganhador do Óscar, hehehe.