“ARMY OF THE DEAD: INVASÃO EM LAS VEGAS” – Por dentro de Zack Snyder
Já foi chamado de visionário por campanhas de marketing. Foi questionado por priorizar a estilização em detrimento da construção dramática. Foi criticado por conta de sua visão particular para os heróis da DC. E também já foi valorizado através da da mobilização a favor de sua versão de “Liga da Justiça” (clique aqui para ler a nossa crítica). Zack Snyder é um realizador que dificilmente desperta indiferença no público, pelo contrário, costuma propiciar debates acalorados entre fãs e críticos. algo semelhante cercou a expectativa de seu primeiro projeto fora da Warner Bros., ARMY OF THE DEAD: INVASÃO EM LAS VEGAS, que também oferece um retrato cirúrgico de seu criador.
Disponível na Netflix, o filme é a união entre o subgênero zumbi e história de assalto. Em um mundo pós-apocalíptico, Las Vegas foi isolada porque foi invadida e devastada por mortos-vivos. Nesse mesmo panorama, o ex-herói de guerra Scott Ward é contratado pelo magnata dos cassinos Bly Tanaka para montar uma equipe e roubar 200 milhões de dólares de um cofre na cidade. Scott vê a recompensa que vai receber como chance de se reconciliar com a filha Kate, mas, além de enfrentar as criaturas, terá o desafio de cumprir o plano em poucas horas porque o governo planeja bombardear o lugar.
A começar pelo estabelecimento do universo diegético, Zack Snyder dá sinais de que a obra será tola e descompromissada. No entanto, a linha tênue entre divertir sabendo usar o ridículo a seu favor e escancarar o lado mais infantil e bobo do cineasta é constantemente atravessada – seria algo como a diferença entre rir com alguém e rir de alguém. Na abertura, é explicado como Las Vegas foi tomada pelos monstros a partir de um conjunto de coincidências que sugere muito como sua mentalidade influenciou o roteiro: militares carregam uma carga perigosa e estão mais concentrados em teorias da conspiração sobre o que levam no caminhão; um casal dirige pela mesma estrada mais interessado na performance erótica que podem ter naquelas circunstâncias; e o encontro desses núcleos gera um momento de ação exagerado preocupado com o apelo visual instantâneo. A sequência inicial parece anunciar que a narrativa será simplesmente a visão de mundo e de arte do diretor, repleta de elementos questionáveis.
Por um lado, há potencial na forma como os zumbis são retratados na versão mais contemporânea de ameaças velozes que correm, perseguem e se desdobram em movimentos repulsivos e frenéticos (uma escolha presente, por exemplo, em títulos como “Extermínio“, “Guerra mundial Z” e “Madrugada dos mortos“). Por outro lado, as possibilidades criativas para a encenação dos ataques à cidade dos cassinos não se concretizam plenamente, mesmo que, em teoria, seja promissora a ideia de brincar com os contrastes – o uso da canção “Viva Las Vegas“, do glamour ostensivo de uma cidade baseada em riquezas e certa sensualidade, do slow motion contínuo para as cenas de ação, das cores altamente estilizadas e de uma violência gráfica captada pelo olhar da câmera cria uma sequência grandiosamente brutal para a derrocada do local. O que poderia ser representativo de uma estilização que busca a diversão pela adrenalina, torna-se puramente um estímulo apelativo vazio como a continuidade da narrativa demonstra – considerando-se o todo e olhando em retrospecto, esse momento se resume às vibrações de Snyder em relação a explosões e destruições.
O prosseguimento da trama reforça a sensação de que o cineasta se apressa para chegar ao que mais lhe interessa. Se ele sofreu e continua sofrendo críticas acerca da fragilidade dos seus roteiros, dessa vez tenta simultaneamente dar alguma profundidade aos conflitos e não se preocupar com a falta de esmero do resultado. A maioria das personagens nem sequer hesita diante dos riscos de participarem da missão porque pensam somente no dinheiro que ganharão, o que as torna pouco interessantes ou minimamente atrativas para se importar. Os arcos de Scott e Kate buscam divergências familiares entre eles, a partir de um passado doloroso para ambos, para criar um senso de jornada ou reconciliação, porém Snyder não tem qualquer sutileza ou cuidado para não ser piegas. E ainda se ensaiam comentários políticos sobre a iniciativa do governo de detonar uma bomba nuclear em Las Vegas e o envio forçado de pessoas pobres, homossexuais e defensoras do aborto para a cidade sitiada – questões densas e complexas tratadas de modo superficial e deslocado por alguém sem estofo para sustentar tais subtextos.
Se o primeiro ato apresenta personagens ocos, rascunhos de conflitos dramáticos e uma contextualização tola, o segundo dá vazão aos elementos mais problemáticos de uma cultura norte-americana. A equipe como um todo demonstra satisfação por usar armas, realizar uma missão arriscada e destruir qualquer obstáculo à frente (Maria acaricia afetuosamente seu revólver e Guzman e Geeta sorriam enquanto tiram uma selfie na entrada da cidade); Vanderohe e Dieter representam o interesse pelo dinheiro acima da própria segurança; Marianne simboliza a individualidade extrema ao hierarquizar a importância de cada pessoa dentro do grupo (algo partilhado pelos demais integrantes); Guzman, Martin e Burt agem frequentemente de acordo com seus impulsos sexuais (insinuações que, por vezes, combinam sexo e militarismo); e Dieter encarna o mais fácil e pobre tipo de alívio cômico através da rivalidade com Vanderohe. Cada traço poderia ser criticado ou tratado com ambiguidade para não soar como elogio a práticas militaristas, sexistas e egocêntricas, mas Snyder parece vibrar como essas atitudes.
Em defesa do cineasta poderia se dizer que o mais importante são as cenas de ataque dos zumbis, porém até o que poderia ser sua qualidade se desgasta com o tempo. A narrativa invariavelmente volta a abordar conflitos dramáticos, mesmo que sejam simplificados, e adia a ação em muitos momentos. E quando essas sequências acontecem, Snyder repete o mesmo padrão de atirar nos monstros enquanto estes tentam se aproximar para atacar e desperdiça oportunidades de encenações mais instigantes (a única a realmente aproveitar a tensão das criaturas envolve o deslocamento da equipe por uma horda em hibernação). Além disso, o cenário devastado, os efeitos sonoros dos mortos-vivos e os efeitos visuais de deterioração de seus corpos ficam em segundo plano em comparação com os excessos do cineasta – ele parece se entregar aos desejos de uma criança que se pergunta: e se os zumbis tivessem uma inteligência própria? e se tivessem um líder? e se tivessem um conexão emocional dentro da horda? e se não estivessem tão mortos assim? e se tivessem animais zumbis? e se o líder usasse uma capa e um capacete?
Zack Snyder pode até ser um realizador com um olhar específico para a composição fotográfica de momentos isolados, inclusive faz isso em “Army of the dead: Invasão em Las Vegas” quando contrasta a opulência dos cassinos e a destruição provocada pelos zumbis ou quando acentua a imponência daquelas criaturas todas reunidas. Entretanto, conforme a narrativa progride e a conclusão toma forma, a expectativa de ver os confrontos finais entre humanos e mortos-vivos serem satisfatórios se frustra cada vez mais. O diretor parece se divertir com reviravoltas duvidosas, cenas de ação pensadas por um jovem menino infantilizado e personagens preenchidas pelo que há de mais conservador no habitus norte-americano. Só que Snyder não percebe que aquilo que o diverte pode excluir parte considerável dos espectadores que não compartilham o mesmo entretenimento. Pelo menos, sempre haverá a possibilidade de se divertir com “Madrugada dos mortos“.
Um resultado de todos os filmes que já viu.