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SEM REMORSO – UNIVERSO PROMISSOR QUE NÃO EMPOLGA

Lançado na crista da onda do sucesso da série “Jack Ryan” (2018), de Carlton Cuse, SEM REMORSO, de Stefano Sollima, tinha uma tarefa clara e objetiva: ampliar o Universo longevo e robusto do autor americano Tom Clancy, já adaptado para o cinema e TV inúmeras vezes. John Kelly, um SEAL da Marinha americana, é um personagem importante para a obra de Clancy, o que torna “Sem remorso” uma tentativa da Amazon Prime de explorar o Universo do autor de forma exclusiva. Com “Jack Ryan” se aproximando de sua terceira temporada, nada mais justo do que ampliar seus tentáculos sob outras histórias e personagens. Contudo, o projeto de Sollima assume contornos genéricos e, sem brilho, não consegue nadar livremente no oceano de filmes de ação ordinários.

(© Amazon Prime Video / Divulgação)

O universo de Clancy é denso, um misto de teorias conspiratórias que envolvem agentes secretos e políticos, uma veia patriótica e qualquer outra coisa que torne explosões em câmera lenta muito tangíveis e desejáveis. No entanto, é necessário compreender a melhor forma de abordar esses temas em períodos históricos diferentes, o que parece ser o maior erro do filme protagonizado pelo ótimo Michael B. Jordan. Na trama, o ator vive John Kelly, um SEAL que pretende se afastar da organização militar após uma missão antiterrorista fracassada em Alepo, na Síria. Mas o militar logo descobre que a missão não acabou por lá, quando tentam assassiná-lo em sua própria casa, como fizeram com seus demais colegas. O tiro acaba saindo pela culatra: matam sua esposa grávida e fazem ressurgir um novo Kelly, disposto a qualquer coisa para descobrir quem está por trás da empreitada e destruí-lo.

A premissa genérica de filme de ação soa promissora, principalmente por conta da trama altamente conspiratória, que envolve cabeças douradas governamentais, e pelas primeiras sequências de ação, devidamente bem produzidas. Mas o filme perde fôlego ao se afundar em uma história que realmente não empolga, com personagens desinteressantes e uma direção preguiçosa, que opta pelo caminho das pedras dos clichês. Kelly não é capaz de envolver emocionalmente o público em sua busca por vingança: o que John Wick faz elegantemente por um cachorro ele não é capaz de fazer por uma esposa grávida. Jordan não parece possuir espaço para construir seu herói devastado pela dor, cego por retaliação. Não há mesmo um momento para Kelly refletir sobre sua própria existência. A montagem e os enquadramentos seguem seu ritmo, frenéticos e burocráticos, e Stefano Sollima deliberadamente decide não desenvolver um personagem que possivelmente retornará para as telas, já mais próximo de Ryan.  

As promessas conspiratórias acabam sendo o maior erro do filme, decepcionando mais por fazerem pouco sentido no momento atual. O longa começa com um embate contra o Estado Islâmico no Oriente Médio e, pouco tempo depois, a Rússia surge como a verdadeira ameaça, bem aos moldes da Guerra Fria. Não se trata aqui de esperar uma trama altamente politizada e crítica, mas no mínimo algo plausível para hoje. O roteiro de Taylor Sheridan e Will Staples desperdiça todo o potencial da obra de Clancy, preferindo abraçar a banalidade que ronda muitos filmes de ação atuais do que fortalecer todos os fatores que foram bem sucedidos em “Jack Ryan”.

As boas cenas de ação são poucas, o que pode demonstrar um medo que Sollima tem de pecar pelo excesso. A cosmologia do filme se agarra ao personagem principal, e o faz de forma pragmática, como se fosse uma obrigação, o que empobrece a encenação. Principalmente se tratando desse herói insipidamente construído. Sem alma, Kelly vaga em meio a missões que não fazem muito sentido, que perdem em potência. A partir da segunda metade do filme a trama se enrola de tal forma que dificilmente sabemos que tipo de recompensa esperar, um puro desalento.

É muito improvável que a Amazon Prime abandone “Sem remorso” no relento. Provavelmente o filme terá uma sequência com outros responsáveis, uma segunda chance merecida para um bom herói mal aproveitado. Há ainda muita expectativa entorno da readaptação desse Universo liderado pelo carismático Jack Ryder, atualmente interpretado pelo talentoso e multifacetado John Krasinski. É uma excelente oportunidade para os americanos ressignificarem seu papel no mundo das grandes jogadas políticas e militares e, de quebra, renovarem esse subgênero da ação tão apreciado.