“FALCÃO E O SOLDADO INVERNAL” [1X04] – Imagem desvalorizada
Decididamente, o plano final do quarto episódio de FALCÃO E O SOLDADO INVERNAL é muito representativo do conflito central da série. Quando o mundo está em frangalhos e a sociedade se encontra em uma crise moral e política, os símbolos e os ícones então estabelecidos são comprometidos e precisam ser reformulados por sua própria segurança. Entretanto, decididamente o plano final também é bastante simbólico de como a produção sabota algumas boas ideias de efeitos promissores ao não preparar com esmero e refinamento o impacto que viria a acontecer sequências depois.
Em “O mundo está vendo“, a condução da narrativa escancara de vez um dos maiores obstáculos da obra como um todo: captar a atenção do espectador, imprimindo emoções palpáveis aos acontecimentos mostrados em tela. Toda sensação que a história tenta transmitir esbarra em uma mise-en-scène que apenas ilustra o conteúdo do roteiro nas mais indiferentes encenações visuais possíveis (parece que os realizadores não se esforçam para criar momentos que extravasem as experiências emocionais indicadas pelo texto). Desde o princípio, essa percepção toma conta da interação entre Sam e Bucky, pretensamente representada dentro do estilo buddy cop, que não se sustenta como comédia nem como uma parceria efetiva (a única tentativa de piada nesse episódio causa mais constrangimento do que qualquer impacto cômico). Assim, os protagonistas não se desenvolvem como dupla nem como personagens com conflitos próprios, já que seus próprios dilemas são esquecidos.
No desenvolvimento da trama, a grande questão da vez é a investigação de Sam, Bucky e Zemo para chegar até a líder dos Apátridas, sendo perseguidos por John Walker e seu parceiro Lemar; para piorar, Ayo e outras participantes do grupo Dora Milaje de Wakanda exigem a prisão de Zemo pelo assassinato do antigo rei de seu país. Todos os conflitos citados poderiam desencadear sequências de ação empolgantes, tensas ou minimamente atrativas para deixar o público atento e interessado no que acontece. Porém, assim como em outros momentos semelhantes, a série investe em confrontos ou perseguições burocráticos, como é o caso da tentativa de captura de Karli pelo novo Capitão América e a luta entre Falcão, o Soldado Invernal, Walker e as mulheres de Wakanda. Contraditoriamente, tais cenas despertam mais desorientação espacial (o início da última sequência de ação do episódio quando não se pode entender a movimentação dos personagens) e humor involuntário (cada momento parece servir apenas como desculpa para deixar Zemo fugir).
A progressão da trama também sofre com a falta de impacto emocional, afinal diversas passagens são escritas para causarem algum sentimento específico, mas a concretização cênica não provoca o que dela se esperava. Por exemplo, espera-se que exista uma curiosidade e um mistério em torno da identidade do Mercador do Poder, figura enigmática que cuidava da preparação de novos soros de super soldados que foi roubado pelos Apátridas, porém a a construção e o desenvolvimento do arco é confuso e pouco instigante para gerar o suspense de saber quem ele é. Algo parecido ocorre nos primeiros minutos do capítulo, quando a busca por informações de Karli cria uma tensão entre Bucky e Zemo e se prolonga até Walker e Lemar – apesar de as cenas serem pensadas para terem esse efeito, sua encenação é feita de maneira apressada sem uma trilha sonora evocativa ou algum enquadramento expressivo.
Se o desenvolvimento da trama e das sensações é insuficiente, os arcos narrativos e os conflitos dos personagens coadjuvantes movem muito pouco a discussão dramática da produção. As guerreiras de Wakanda estão no episódio como um fan service capaz de interligar universos distintos da Marvel e trazer poucas contribuições para o tema da ausência de símbolos de esperança para um mundo devastado. A própria devastação é mais sugerida do que realmente sentida, já que a narrativa se fecha ao redor dos protagonistas e não explora tanto o caos que existiria após o blip – os Apátridas e a liderança de Karli ainda não são tão desenvolvidos para criar o impasse entre a luta pela sobrevivência de refugiados de um mundo que os exclui e possíveis questionamentos a respeito dos métodos que utilizam em nome da revolução desejada. Além disso, há também lacunas na evolução de Walker, que poderia ser o militar traumatizado e inseguro da sua nova posição ou o candidato não preparado para ser um ícone de altruísmo, mas as cenas em que ele lida com dilemas internos não parecem suficientes para as mudanças que atravessa.
Por conta de tudo isso, o espectador não consegue ver humanidade em John Walker nem se sentir envolvido com as transformações negativas pelas quais passa – a apresentação do personagem insinua um espaço maior para suas dúvidas, apreensões e insatisfações que não chega nem quando ele está prestes a liberar uma fúria incompatível com o papel e a simbologia que deveria representar. Nesse sentido, em termos puramente racionais faz sentido o desfecho do episódio mostrá-lo como um exemplo paradigmático de um momento em que as utopias, as referências, as crenças e os heróis estão em crise, inclusive com uma imagem final expressiva de como o significado do escudo do Capitão América foi corrompido. No entanto, uma imagem isolada sem uma construção que preparasse o impacto sensorial do que ela revela e significa não reverbera por muito tempo. Assim como não reverbera uma série por mais interessante que suas discussões possam ser em teoria.
Um resultado de todos os filmes que já viu.