“FALCÃO E O SOLDADO INVERNAL” [1X02] – Símbolos e mercado
Pode parecer contraditório afirmar que alguns dos maiores problemas das produções do MCU sejam as preocupações com a criação de easter eggs e a preparação permanente de algo ainda a acontecer no universo Marvel. A empresa marcou seu nome no mercado cinematográfico com essa estratégia, que alimentou e alimenta fãs com o desejo de teorizar sobre o futuro, embora uma consequência inevitável seja diminuir o impacto independente da obra por si mesma. Nesse sentido, o segundo episódio de FALCÃO E O SOLDADO INVERNAL sofre com o desafio de se equilibrar entre olhar para futuros projetos e se desenvolver como uma série autônoma.
“O herói americano” até começa com uma discussão poderosa dramaticamente: a necessidade corporificar um símbolo de esperança e altruísmo para a reordenação de uma sociedade. Assim, a escolha do governo de estender o manto do Capitão América para o condecorado soldado John Walker significa uma tentativa de estabilização de um mundo desorganizado por Thanos – inclusive, através da espetacularização da figura do herói que participa de entrevistas e de turnês ao redor do país. Essa subtrama possibilita, por exemplo, criar camadas complexas para o personagem ao oferecer para o ator Wyatt Russell conflitos em torno do trabalho de relações públicas exigido (fazer discursos, posar para fotos e apertar mãos) e uma personalidade arrogante gradualmente reveladora de seu anseio de ser uma versão muito própria do Capitão América.
Tal debate em relação ao peso do escudo do herói reverbera na relação entre Sam e Bucky, já reunidos como uma dupla na luta contra os Apátridas. A tensão entre eles gerada pela recusa do Falcão de assumir o manto anteriormente possuído por Steve Rogers leva o Soldado Invernal (agora chamado de Lobo Branco) se questionar se o antigo companheiro deveria depositar tantas esperanças nele mesmo. Trata-se de um conflito dramático mais expressivo do que as tentativas de caracterizá-los no estilo buddy cop, afinal a própria aproximação entre eles nesse capítulo é feita de modo anticlimática e desajeitada. A partir do primeiro encontro entre eles, os momentos de piadas e trocas de farpas por conta de suas personalidades diferentes não são encenadas organicamente – auge disso é a conversa com uma terapeuta que parece deslocada e apressada dentro da proposta de construir uma relação conturbada entre eles.
A discussão a respeito das possibilidades e desvantagens dos símbolos também é esporadicamente interrompida pelas sequências de ação e pelas aparições dos antagonistas. Não deixa de ser irônico que uma série de ação oscile justamente nas passagens em que concretizaria esse gênero, pois a grande set piece do episódio não seja tão criativa e adote o recurso já bastante conhecido de colocar lutas no teto de caminhões em movimento. Além disso, a ameaça dos Apátridas ainda é trabalhada superficialmente, já que a nova informação de que eles são super soldados modificados geneticamente não acrescenta tanto ao propósito de suas ações nem desenvolve os membros do grupo – se no capítulo anterior o líder recebe uma atenção maior, este introduz outra personagem de liderança, algo que diminui ambos por dispersar a evolução que poderiam ter.
O desencontro entre se desenvolver por conta própria e acenar para um universo maior que agrada aos fãs é muito bem exemplificado no segmento que leva os protagonistas a Baltimore. Por um lado, aborda-se a representatividade da população negra através do ambiente onde a ação se passa e das figuras com as quais os personagens centrais contracenam (Sam incluído), fazendo com que os símbolos relevantes para uma sociedade em crise não se restrinjam apenas à parte da população – é uma atitude significativa destacar que heróis consagrados na cultura pop possam, por exemplo, ser negros. Por outro, a narrativa sente a necessidade constante de estimular teorias nesse núcleo, abrindo possibilidades para futuros filmes ou séries que se passem no MCU que enfraquecem a própria história que está sendo contada como se ela apenas funcionasse em função do que está por vir.
Considerando-se o efeito geral provocado, “O herói americano” é um capítulo morno sem tantos apelos como a série sugeriu e levantou de possibilidades em sua estreia. A ideia de trabalhar um mundo em crise que precisa se reconstruir a partir de símbolos sólidos de esperança se comunica com o cenário atual (tempos de pandemia e polarização política extrema), mas a execução continua abaixo do potencial. O espectador pode sentir o peso da ausência de Steve Rogers e de um sucessor à sua altura, apesar de ainda não sentir sequências de ação realmente empolgantes, um desenvolvimento mais significativo da ameaça em questão e a parceria de Sam e Bucky como foi vendido. Por conta disso, a produção ainda não consegue lidar com a característica Marvel de ser sempre uma grande série que aponta muito mais para o futuro do que para o presente em si.
Um resultado de todos os filmes que já viu.