“A SENTINELA” – Genérico na execução e preguiçoso no desenvolvimento
Não há regras nem receitas que indiquem como criar uma obra audiovisual de qualidade. Quando se trata de filmes de ação, o mérito pode ser construir sequências de grande adrenalina embora a história seja muito simples (“John Wick“) ou combinar momentos bastante dinâmicos com subtextos poderosos (“Mad Max: Estrada da fúria“). Para o público que prioriza as grandes setpieces e para os espectadores que demandam enredos complexos, SENTINELA deixa a desejar ao entregar uma narrativa que carece de energia e de uma identidade própria nas escolhas estilísticas.
A produção original Netflix acompanha Klara, uma militar francesa altamente capacitada por uma organização antiterrorista. Após uma temporada no Oriente Médio, ela retorna para a França com traumas de guerra e querendo ficar próxima da família. Ao invés de ter mais tranquilidade, descobre que sua irmã caçula foi abusada por um jovem milionário, o que faz começar uma caçada contra o homem protegido pela impunidade do poder.
Com o objetivo de apresentar a protagonista, o diretor Julien Leclerq inicia a ação durante uma operação de busca de um suspeito de terrorismo no Oriente Médio. Os acontecimentos por si só são tensos (o interrogatório da esposa do suspeito, o cerco ao alvo, o ataque surpresa de inimigos, a presença angustiante de uma criança no palco dos embates e a reviravolta na conclusão desse núcleo), mas a decupagem não tem força dramática nem capacidade de afetar as sensações do público – fica a impressão de que a direção mais ilustra as situações do roteiro do que cria uma mise-en-scène expressiva visualmente. Mesmo a dramaturgia parece apressada e descuida, já que a contextualização da equipe Sentinela é feita rapidamente por um letreiro e da operação nas sequências iniciais mal situa o cenário militarista da região repleto de ameaças por todos os lados.
O retorno de Klara oa seu país natal evidencia as experiências traumáticas que marcam sua vida. Apesar de não serem aspectos absolutamente originais, essa subtrama se mostra a de maior potencial dramático através dos exemplos inseridos: os tremores nas mãos e pernas que a fazem tomar muitos medicamentos; a tensão constante de trabalhar nas ruas sob algum grande risco (como uma bomba secreta); a liberação questionável de agressividade (como a abordagem a um homem que agredia a esposa); e a rememoração de cenas traumatizantes em outras ocasiões. Tais elementos remetem a “Guerra ao terror“, ainda que o trabalho de Kathryn Bigelow seja mais tridimensional ao abordar as consequências psicológicas da guerra. Porém, o potencial não se concretiza e o arco é abandonado tão logo suas possibilidades se manifestam.
Por conta disso, os dramas da guerra não são o enfoque da produção, que se transforma quando a narrativa define vilões explícitos. A partir daí, uma história de vingança assume o centro da ação abraçando o que há de mais genérico, previsível e apático possível: as sequências de ação entediam em razão da falta de ritmo; a trilha sonora aparece timidamente para ambientar pouquíssimas cenas; a coreografia das lutas corporais busca um realismo característico da franquia “John Wick” sem conseguir emular esse impacto sensorial; os antagonistas são caracterizados como caricaturas vazias sob a expressão “os russos”; e as resoluções das sequências são antecipadas claramente pelo espectador que já assistiu a tantas obras do mesmo estilo. Além disso, todas as tentativas de discutir os desdobramentos dos abusos sofridos pelas mulheres parecem lançadas a esmo para dar uma aura mais complexa a um projeto de trama mais contida.
Em virtude das transformações da narrativa, a trajetória de Klara é prejudicada. De uma personagem atormentada pelos horrores da guerra que poderia ser multifacetada, ela se torna uma simples máquina de combate disposta a vingar com as próprias mãos a violência sofrida pela irmã – dentro disso, alguns detalhes são menos desenvolvidos, como sua sexualidade e o desencontro entre sua formação militar e o cotidiano comum. Consequentemente, Olga Kurylenko gradativamente perde material com o qual poderia trabalhar e dela basicamente se exige um trabalho físico para as lutas corporais. Assim, cria-se um grande contraste entre os momentos dramáticos de introspecção da mulher e a progressão simplesmente acelerada e esvaziada de tiros, perseguições e confrontos físicos.
De certa forma, “A sentinela” tem um encadeamento lógico das sequências e propósitos contidos para a narrativa. No entanto, todo produto audiovisual vai além do roteiro, afinal o texto precisa ser concretizado visualmente dentro de alguma ideia coerente; assim como, o primeiro impacto de qualquer obra é sensorial precisando mobilizar reações emocionais do público. São esses dois aspectos cruciais que estão ausentes na produção original Netflix, que apenas encena convencionalmente a trama, sem atingir as emoções possíveis para um filme de ação. Na realidade, a cada minuto que passa na narrativa mais forte fica a sensação de que os envolvidos no projeto têm suas energias sugadas ao longo de um trabalho que não impacta, não cria tensão nem estabelece algum senso de adrenalina. Logo, os próprios realizadores parecem cada vez mais indiferentes ao trajeto da protagonista, o que também faz o espectador se sentir desinteressado pela história contada.
Um resultado de todos os filmes que já viu.