“MÃE + MÃE” – O que importa são as protagonistas
* Filme assistido na plataforma da Supo Mungam Films (clique aqui para acessar a página da Supo Mungam Plus).
A ampliação da representatividade no cinema é importante sob vários aspectos: diferentes vozes podem se expressar; um público mais extenso pode se sentir representado nas telas; histórias variadas podem dar forma às identidades e vivências particulares de diversos indivíduos; e temas necessários podem ser discutidos para a transformação da sociedade. Nesse sentido, MÃE + MÃE ocupa um papel relevante na construção de narrativas sobre o universo LGBTQIA+, embora alguns elementos do entorno das personagens principais sejam inferiores a elas.
Na trama, Karole e Ali são duas mulheres apaixonadas que sonham em constituir sua família. O casal deseja ter um filho, mas como na cidade onde vivem a adoção é praticamente impossível para pessoas do mesmo gênero, a ideia é realizar a inseminação artificial ou fertilização in vitro. Apesar de todos os esforços feitos, elas precisarão enfrentar dificuldades financeiras para pagar o processo, imprevistos biológicos para a gestação e inseguranças futuras em relação a ser mãe.
Em muitas produções, personagens não heterossexuais têm suas trajetórias definidas em torno dos preconceitos que sofrem. Longe de menosprezar ou minimizar a violência resultante dessa intolerância, pessoas não heteronormativas também podem ter histórias que não se resumem à dor e ao sofrimento. Tal princípio pode mover o trabalho da diretora e roteirista Karole Di Tommaso, já que os conflitos mais encenados pela narrativa englobam questões gerais da maternidade: dúvidas sobre a criação de um filho, reações inesperadas do organismo em relação à gravidez, planos futuros para a formação de uma família, empecilhos financeiros para os projetos de vida e as influências de parentes nas suas escolhas. Mesmo sendo esse o foco estabelecido, a realizadora pode pontuar em certos momentos os impactos das discriminações de gênero sobre as protagonistas (restrições antiquadas à adoção, comentários agressivos de um homem em um ônibus e o discurso social de que a ausência de um pai prejudicaria o desenvolvimento infantil).
Como as decisões estilísticas da cineasta descartam um drama carregado, o filme se identifica como uma comédia dramática que propicia ternura, lirismo e sensações reconfortantes. Tais efeitos começam a ser sentidos a partir da dinâmica carinhosa de cumplicidade de Karole e Ali, estabelecida por Linda Caridi e Maria Roveran, em todas as ocasiões em que estão juntas em cena – especialmente, mas não apenas, quando a inseminação em Ali se destaca, é possível notar como as atuações das intérpretes buscam o afeto dos toques, dos olhares e do contato físico. Além disso, o universo diegético que abriga as duas mulheres parece transmitir um conforto para elas lidarem com seus problemas cotidianos, o que pode explicar a fotografia vibrante de Sara Purgatorio com cores saturadas e locações belíssimas na Itália.
Da mesma maneira que as performances principais e a fotografia, o desenvolvimento da narrativa prioriza sentimentos mais alentadores (apesar de o percurso do casal ser também marcado por situações dramáticas) ou o estado subjetivo das duas mulheres. É através da escolha de dar vazão à dimensão interna das protagonistas que o filme proporciona um fluxo mais livre de sequências, que dialogam com o propósito central de ambas as personagens: ser mãe. Assim, o medo de perder o bebê com um aborto espontâneo se torna um pesadelo em que a criança é literalmente perdida; a ansiedade de ir pela primeira vez ao laboratório se converte em uma cena próxima de aventuras cômicas; a desorientação de Karole após uma notícia ruim desencadeia a entrada de um flashback sobre sua curiosa infância; e a possibilidade de nascimento de gêmeos culmina em uma festa fabulesca e onírica com figuras entre o real e o imaginario.
O mesmo sucesso na composição do casal principal não acontece com os personagens coadjuvantes. Sempre que a narrativa confere mais espaço a eles, o impacto dos acontecimentos e dos conflitos diminui, algo que pode ser reflexo do fato de a gravidez de Ali ser o elemento que centraliza a trama. Logo, as figuras secundárias têm pouco a acrescentar ou mal possuem um arco próprio (os moradores e funcionários do prédio das protagonistas aparecem e desaparecem sem maiores benefícios ou perdas, a melhor amiga é uma presença vazia e inexpressiva, e alguns familiares de Karole fazem aparições breves e pouco marcantes). Um exemplo considerável dessas fragilidades é o ex-namorado de Ali, que divide o aluguel com ela e não se acerta nos relacionamentos, pois ele não se efetiva como alívio cômico nem como uma camada adicional para os conflitos de Karole e Ali.
Por consequência, a narrativa perde ritmo e força dramática em certas passagens do segundo e terceiro atos. Por mais que a visita de Karole à sua família ofereça momentos de ternura quando conversa com a mãe e com o avô, as interações com o irmão e um padre afastam o envolvimento do espectador; já as confusões de Andrea causam o efeito oposto ao pretendido por desviar o foco do que realmente importa; e as atribulações de Karole para conseguir dinheiro para pagar o processo médico parecem saídas de outro filme. Entretanto, “Mãe + mãe” se dispersa em instantes específicos e não compromete totalmente o impacto geral de sua história, ainda que a conclusão pudesse acentuar ainda mais o clímax. A obra, portanto, não esquece que sua grande perspectiva é abordar o poder gerador de vida da maternidade, que pode ser uma escolha independente de papéis tradicionais de gênero.
Um resultado de todos os filmes que já viu.