“OLIVIA” – Ousadia em pleno 1951
* Filme assistido na plataforma da Supo Mungam Films (clique aqui para acessar a página da Supo Mungam Plus).
A característica mais marcante de OLIVIA, de 1951, é a sua inegável ousadia. Mesmo considerando o progressismo europeu (a produção é francesa), especialmente quando comparado aos parâmetros estadunidenses (especialmente hollywoodianos), abordar a lesbianidade no âmbito da relação entre professora e aluna seria controverso mesmo hodiernamente.
A adolescente inglesa Olivia acaba de se mudar para uma escola francesa. O ambiente novo lhe dá novos ares, especialmente pela fascinante srta. Julie, professora de literatura, por quem Olivia acaba se apaixonando. Um dos fatores que pode abalar a interação entre as duas é a frágil srta. Cara, que disputa a atenção das alunas com a srta. Julie.
A disputa pela atenção das alunas funciona como uma das engrenagens que garante a movimentação da trama. Jacqueline Audry não precisa de cores para tornar as duas professoras antagonistas, pois mesmo no preto e branco se percebe que a srta. Julie se veste com cores escuras, ao passo que a srta. Cara usa cores claras. Trata-se da representação imagética segundo a qual esta é muito mais frágil que aquela (a fragilidade está na cor das roupas).
As personagens de “Olivia” têm as mais distintas personalidades: Victoire (Yvonne de Bray) é afeita ao sarcasmo, dividindo as fofocas com a carrancuda Sra. Dubois (Suzanne Dehelly); da srta. Julie (Edwige Feuillère) pouco se sabe, exceto pelo fato de representar o oposto da srta. Cara (Simone Simon), que reclama a todo momento (seja da própria saúde, seja da comida da escola). As duas primeiras se distanciam e fazem comentários sobre as demais; as duas últimas dividem a atenção – e o afeto – das alunas. Signorina (Rina Rhéty), por exemplo, é uma das apaixonadas pela srta. Julie, dando a entender que a srta. Cara finge ter problemas de saúde.
No meio da disputa surge a ingênua Olivia (Marie-Claire Olivia), que não consegue sequer perceber o sarcasmo de Victoire logo quando chegam à escola. Acostumada à rigidez da escola inglesa onde estudava, Olivia se surpreende com a boa condição que passa a ostentar, não precisando ler a Bíblia todas as noites e tendo um quarto inteiro apenas para si – nisso há um subtexto das diferenças culturais entre a Inglaterra e a França, nada, contudo, que seja aprofundado. Mais que isso, a adolescente descobre o amor, algo que nem todas as colegas compreendem, como é o caso de Laura (Elly Claus): ambas afirmam amar a srta. Julie, mas apenas Olivia é capaz de descrever um sentimento tórrido cujas labaredas não têm conotação sexual.
A maior polêmica fica no roteiro de Pierre Laroche e Colette Audry (que adaptaram a obra original de Dorothy Bussy) – afinal, é no mínimo questionável uma narrativa que naturaliza a conduta de uma professora que seduz suas alunas adolescentes. Entretanto, na direção, Jacqueline Audry evita cenas gráficas na maior parte da película, criando um crescendo que vai da lesbianidade sugerida (Mimi dando chocolate na boca de Olivia) ao aliciamento velado (sentar-se ao lado da professora, viajar com ela etc.). Olivia vive um deslumbramento, mas é esse o foco da obra, que não se dispõe a questionar quaisquer noções morais (da época ou contemporâneas). As representações imagéticas mais explícitas ficam ao final, quando o romance está em fase melancólica. Beijos não são escancarados, mas insinuados, talvez como forma de reduzir a surpresa da plateia.
Ressalvando, mais uma vez, as questões éticas atinentes ao plot, a maneira pela qual Olivia se sente atraída pela srta. Julie é muito bem desenvolvida por Audry, que insere a visão daquela em relação a esta em uma esfera platônica, é quase um feitiço pela magnética professora. O real passa rente ao visual, resultando em um vislumbre do que de fato aconteceu na história não contada. O poder de sugestão da cineasta é digno de nota, como ao tornar claro a dispensabilidade de figuras masculinas, ora por objetos fálicos (o abridor de cartas, as velas etc.), ora pela dança exclusivamente entre mulheres. Não há dúvida que “Olivia” é um filme muito à frente de seu tempo, começando a abrir caminho para um cinema que ainda hoje é tabu em diversas sociedades.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.