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“EM BUSCA DE ‘OHANA” – RAÍZES SÃO MAIS FORTES DO QUE PARECEM

Não é fácil recuperar toda uma tradição de filmes de aventura infanto-juvenis atualmente. Há no centro do debate uma série de questões que não eram nem sequer cogitadas por produtores de filmes desse nicho nos anos 1980 e 1990, época em que essas tramas adquiriram um hype por conta de “Os Goonies” (1985) de Richard Donner, inspirada na saga de Indiana Jones – “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981), de Steven Spielberg. Essas questões são objetos delicados, que vão desde a representatividade (uma das grandes jogadas da Disney) até mesmo à identidade. Unir essa tradição de filmes de aventura para o público menos maduro com esses debates parece ser a tarefa de EM BUSCA DE ‘OHANA, lançado esse ano pela Netflix, dentro de sua ofensiva de lançamentos semanais.

(© Netflix / Divulgação)

O filme conta a história de Pili, uma havaiana de 12 anos criada no Brooklin que é viciada em Geocaching, um desporto no qual os participantes buscam algo seguindo dicas e GPS. Após o avô Kimo sofrer um infarto, a família decide visitá-lo no Havaí. Lá, sua mãe Leiani e seu irmão Ioane descobrem que o avô está endividado e pode perder a casa que está com a família há gerações. Eles devem decidir entre morar no Havaí com o avô ou convencê-lo a se mudar para Nova York. Sem internet e longe do campeonato de Geocaching, Pili acha logo uma aventura que pode salvar a família: um diário escrito por piratas que esconde um tesouro dentro de uma montanha.  

Dirigido por Jude Weng, de origem taiwanesa, e escrito por Christina Strain, americana nascida em Seul, “Em busca de ‘Ohana” é o primeiro trabalho da dupla. Talvez o background dos dois justifique a preocupação com questões de ordem identitárias, como a definição de lar, família, herança cultural e ancestralidade. Embora essas questões estejam no eixo central da narrativa, aquilo que impulsiona os personagens para a ação, o filme acaba tratando esses temas de forma leve e divertida. Pili passa por uma jornada simplificada do herói, mas acaba descobrindo algo que nem estava procurando. Como o título já funciona como um mini spoiler, Pili busca, sem saber, ‘Ohana, isto é, família e ancestralidade.

As referências de roteiro caem diretamente para a tradição de filmes de aventura apontada acima. Pili e seu mais novo amigo Casper partem rumo à montanha na base do “tudo ou nada”, mas acabam contando com a ajuda de Hanna, uma adolescente amiga de Casper, e Ioane, que sempre reafirma sua distância cultural e até certo desprezo. Qualquer semelhança com os filmes de Indiana Jones e “Os Goonies” aqui não é mera coincidência. Mas ao contrário desses, cujos personagens já partem de pressupostos preestabelecidos, há aqui uma jornada de reconhecimento das raízes e é essa a força que permite que os personagens possam ir mais longe.

A cinematografia solar, que se diferencia das cores e formas de Nova York, preza pela agilidade e ação, contando com uma edição mais dinâmica, mas que se permite deixar levar às vezes pelas estonteantes paisagens naturais. Esse dinamismo, que recai sobre os enquadramentos, tem como objetivo manter o espectador preso na trama. Strain abusa de diálogos explicativos na tentativa de entregar aquela cosmologia que serve tão bem à história. Mas há também um esforço por parte do roteiro em criar lugares comuns tão presentes nos filmes para essa faixa etária, como amizades improváveis, romances inevitáveis e alívios cômicos relacionados a esse universo do gênero de aventura.

Em um balanço geral, o filme acerta mais do que erra ao ser fiel aos seus pressupostos. Pili é uma típica heroína mirim, inocente, curiosa, destemida e disposta a aprender de qualquer forma. ‘Ohana é “desvendada” no clímax do filme, comovente em seu surrealismo, mesmo sendo piegas. Mesmo que a força de uma ideologia seja por fim salientada, ao reforçar valores como amizade, família, companheirismo, respeito, entre outros, já tão carimbados nesse gênero, tanto o pano de fundo quanto o eixo central da trama tornam “Em busca de ‘Ohana” no mínimo especial. O filme entrega entretenimento com algum tipo de reflexão sobre origem e raízes, que são mais fortes do que imaginamos, o que acaba trazendo um frescor contemporâneo altamente interessante.