“MAU-OLHADO” – Confusão de gêneros
É sempre interessante mergulhar em obras de arte que ofereçam um olhar sobre outras culturas e integrem costumes específicos às suas narrativas. Afinal, o cinema possibilita aos espectadores se colocarem em outros lugares em uma posição de empatia e de reconhecimento da diversidade. É uma pena, portanto, que MAU-OLHADO não consiga fazer isso em relação às tradições indianas e oscile muito no que se refere à situação das mulheres em face de relacionamentos abusivos. Tais irregularidades resultam, principalmente, da dificuldade de definir sua visão estilística.
Fazendo parte da parceria entre a Amazon Prime Video e a produtora Blumhouse, o filme tem sua origem no audiobook homônimo criado por Madhuri Shekar (responsável também por assinar o roteiro da adaptação). Na trama, Usha se esforça ao máximo para convencer a filha Pallavi a se casar, inclusive organizar encontros secretos. Tudo parecia chegar a um final feliz quando a jovem começa a namorar com Sandeep, mas a mãe insiste que o homem é a reencarnação de um antigo namorado seu, que quase a matou.
A princípio, a narrativa parece encontrar seu estilo dentro de um drama de costumes, potencializado pela protagonista. Através dela somos apresentados a um rico universo cultural, que envolve crenças em mau-olhado, maldições e eventos espirituais; além de pontuar os hábitos tradicionais de pais preparem os casamentos dos filhos. Outro aspecto que contribui para a representação dessa cultura é a atuação de Sarita Choudhury, pois Usha encarna os elementos culturais e ainda expõe com sensibilidade os traumas de uma mulher atormentada por um relacionamento abusivo do passado. Enquanto os conflitos dramáticos dependem da atriz e de uma abordagem naturalista, a produção possui certa solidez; a partir do momento que eles se moldam a flashbacks nem sempre coerentes e a reviravoltas sobrenaturais, o nível se perde em meio a diversas fragilidades.
De certa maneira, um efeito semelhante ocorre com a relação entre Usha e Pallavi. Inicialmente, as divergências entre elas criam uma dramaturgia eficiente – a mãe que insiste para a filha se casar como todos os outros parentes já fizeram, teme o risco de ver a jovem desprotegida contra maus-olhados e ainda alerta sobre suas suspeitas a respeito de Sandeep -, porém não são tão bem desenvolvidas em termos dramáticos e estéticos. O roteiro deixa superficial a questão da violência contra as mulheres e seus impactos duradouros, pois a dimensão simbólica da ressurreição não é construída gradualmente para ressaltar os medos constantes a que ficam submetidas. Já a direção de Elan e Rajeev Dassani não escapa da armadilha de fazer duas personagens em locais distantes (Índia e EUA) se comunicarem apenas por ligações telefônicas – em termos visuais, o recurso de encenar os conflitos à distância com diálogos semelhantes fica repetitivo e pouco criativo.
Os dois diretores até tentam diversificar a decupagem, contudo as repetições e as ilustrações didáticas imperam. Por vezes, alguns planos apresentam uma criatividade interessante (como os enquadramentos pelas costas da mãe e da filha em cenários escurecidos antes de conversarem) e outros martelam informações sem sutilezas (como o plano que enfoca Sandeep sob sombras em um corredor). Mesmo a cena que poderia ser mais expressiva se frustra por detalhes de execução: é feito um split screen para parecer que Usha e Pallavi estariam no mesmo local, mas a câmera mostra os celulares nas mãos das duas mulheres e, assim, o efeito da técnica se enfraquece. Logo, a narrativa peca pela falta do uso mais específico da linguagem cinematográfica, algo que poderia valorizar as apreensões da protagonista.
Por outro lado, o suspense com toques espirituais acumula decisões questionáveis à medida que ocupa a tela. É possível contestar, por exemplo, o ritmo demasiadamente lento da progressão da história, prolongando ao máximo a chegada de momentos tensos dentro desse gênero (em termos de terror como anunciado pelo marketing, a obra nem sequer entrega algo efetivo). Em tais críticas também é pertinente pensar na fraqueza dos acontecimentos que deveriam levantar suspeitas sobre Sandeep, tanto por conta de evidências frágeis e convenientes (um brinco semelhante, frases repetidas…) quanto pelo desempenho inexpressivo de Omar Maskati para compor o personagem. Além disso, o avanço da narrativa sabota a ideia de gerar dúvidas sobre o homem, já a montagem coloca elipses numerosas que confundem a passagem do tempo e o desenrolar de novos eventos nas vidas dos personagens.
“Mau-olhado” transita por muitas possibilidades sem conseguir combiná-las ou desenvolvê-las por conta própria. Vendido como terror pela Blumhouse, faltam muitos elementos característicos para justificar essa indicação; sugerido como suspense pela sinopse, faltam tensão e mistério suficientes para evocar tais sensações; trabalhado na prática como um drama, faltou uma percepção mais clara de como desenvolver tradições culturais indianas e a violência contra as mulheres. Ao final de tantas incertezas do que ser, o filme não tem condições para reunir diversos estilos e concluir a trama sem escolhas tão previsíveis – o que não impede o constrangimento ser a sensação predominante nos últimos frames.
Um resultado de todos os filmes que já viu.