“BOTÕES DOURADOS” e “LOS LOBOS” [9º ODC]
BOTÕES DOURADOS e LOS LOBOS são curtas-metragens que, por caminhos diversos, direcionam seus olhares para a mesma temática: as breves aparições da inocência juvenil em situações incompatíveis com essa faixa etária. Eles são, respectivamente, sobre o duro treinamento de meninos para integrá-los à Guarda Nacional russa e o cotidiano comum de dois irmãos cubanos para brincar com atividades relacionadas à guerra.
No documentário dirigido por Alexey Evstigneev, é possível notar críticas ao autoritarismo de Vladimir Putin por criar uma instituição militarizada para atacar a oposição. Ao lado desse posicionamento, há um rigor formal de decupar o roteiro em muitos planos fixos com closes nos jovens durante o período vivido na Escola de Cadetes. O formalismo das escolhas estéticas coincide com a rigorosa preparação militar com seus valores de hierarquia e disciplina, porém o documentarista aproveita brechas no sistema para se “infiltrar” em um cenário tão frio: ele capta fragmentos de gestos, sons e expressões faciais que exponham a desumanização daquele meio.
Já a produção dirigida por Otávio Almeida retrata as brincadeiras de dois garotos a partir de encenações que se alimentam de um imaginário de violência e guerra. Desde pequenos, foram acostumados com uma atmosfera militarizada pelo pai, que traz no corpo marcas e memórias de sua vida de combatente na Angola (sequelas físicas, distanciamento emocional em relação aos filhos e tatuagem de Che Guevara no braço). Por conta disso, eles brincam imaginando aventuras em que lutam contra inimigos de Fidel Castro, se escondem de outros Exércitos e se enfrentam após uma hipotética traição.
Através da unidade estética, ambos os filmes constroem uma ambientação de opressão à inocência. O filme russo faz com que, ao redor dos planos fixos, o fora de quadro intensifique uma formação nada condizente com a infância dos meninos: trechos sonoros exemplificam lições dos altos oficiais sobre heroísmo, religião e valores militares, além de oferecer relatos dos próprios garotos acerca de traumas familiares. Além desse recurso, o diretor também recorre ao fundo do quadro desfocado para demonstrar o quanto o entorno é opressivo, mesmo se aqueles jovens ainda não possuírem idade suficiente para compreender todos os significados de uma rígida formação militar.
O mesmo princípio pode ser percebido no filme cubano a partir do design de produção da casa dos irmãos. Em diversos aspectos, o lugar remete menos a um universo acolhedor típico de uma família e mais a um cenário de guerra devastado pelos confrontos bélicos: a residência é degradada com cores nada vibrantes (como se nota no quarto acinzentado dos dois protagonistas); paredes descascadas e objetos defeituosos; e um quintal semelhante a um campo de batalha dotado de muros e pilastras, próximos de espaços em fronts de batalha. Assim, os personagens internalizam e naturalizam a guerra como algo constituinte de suas vidas.
Entretanto, há passagens nas duas narrativas em que se sente um fragmento do que aqueles indivíduos realmente são. A preparação para a Guarda Nacional pode ser angustiante física e emocionalmente por exigir uma dedicação aos mínimos detalhes (evidente, por exemplo, nas sequências de treinamento de marchas coordenadas), mas ainda assim não conseguem impedir demonstração de sentimentos. Em alguns momentos, as emoções se infiltram no rigor técnico para revelar os desenhos tristes dos meninos sobre o Exército; e para potencializar os sofrimentos daqueles personagens quando conversam possivelmente com os pais por telefone (tendo liberdade para demonstrarem o que sentem e se movimentarem com o que quiserem).
Isoladamente, os irmãos vivem instantes mais compatíveis com suas idades ainda que o pai continue parecendo uma figura à parte. Por vezes, podem desfrutar de situações leves, ausentes de armas, palavras e agressões, já que preenchem o tempo também com passatempos sem qualquer relação com conflitos bélicos (troca de caretas entre eles, por exemplo) e demonstrações de afeto entre eles. Em outras ocasiões, passam por experiências mais intimistas, como as reflexões silenciosas de um dos meninos enquanto toma banho, ou questionadoras da vida apesar da ingenuidade, como indagações a respeito dos sentidos dos pesadelos, de doenças e da morte.
Percorrendo as sensações propostas pelos curtas, seria possível supor a dificuldade de interligar histórias de realidades distintas na Rússia e em Cuba. No entanto, “Botões dourados” e “Los lobos” são capazes de mostrar que, a despeito das particularidades de cada país, o cinema pode conectar jovens russos recebendo treinamento militar e irmãos cubanos brincando com a temática da guerra. E, acima de tudo, as sensibilidades artísticas de cada projeto sugerem que breves fragmentos de leveza, inocência ou sentimentos podem surgir nas adversidades da guerra e do autoritarismo.
* Filmes assistidos durante a cobertura da 9ª edição do Olhar de Cinema de Curitiba (9th Curitiba Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.